CURADORIA DA RELAÇÃO ENTRE O 'PIDGIN' E O CUIDADO — GLAC edições
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- 3 de set.
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Talvez a primeira questão que possa surgir quando apresentamos um novo título que tem na capa a palavra "pidginização" seja, "E o que é o pidgin?", e, em seguida, com a palavra "artimanhas" em outra capa, "Como é que o cuidado pode se comportar de maneira artimanhoso/artimanioso?".
Bem, antes, é necessário compreender a relação íntima entre curadoria e cuidado. Sendo curadoria um termo que deriva do latim e que, em primeira instância, poderia dar significado ao trabalho realizado por quem zela ou administra algo — como se manteve no sentido jurídico para quem administra e zela pela vida e bens de pessoas consideradas "incapazes" —, a prática também se expandiu para diversas áreas, quais, como a arte, detêm necessidades de organização e seleção dos objetos, materiais e imateriais, estudados e produzidos dentro e fora delas. Ou seja, uma prática de cuidar do escopo existente dentro do campo de estudo, interpretação e produção dos mundos.
A curadoria, então, poderia ter diferentes campos de atuação e modos de se fazer. No meio da arte, a prática remonta ao século XV e XVI, passando das práticas de organização de gabinetes de "curiosidades" aos museus e exposições contemporâneas. Mas, quando ela é posta em relação a outras coisas, como é aqui o caso com o pidgin, assume seu caráter experimental e propositivo.
Pidgin é o nome que se dá, na norma "culta" da linguística, para "dialetos" criados do encontro conflituoso entre a língua colonial e a língua originária dos territórios ocupados pela metrópole. Porém, Bonaventure concebe e percebe o pidgin não como dialeto, mas como língua, principalmente por meio do camfranglês (crioulo + inglês + francês), que vem cada vez mais se tornando falado nas ruas e esquinas do Camarões. E é justamente por ser usado como uma maneira de se comunicar também sarrista, como se os colonizados subvertessem a língua do colonizador a fim de brincar e inibir reconhecimento fácil do que se está se comunicando, que Bonaventure entende o pdigin como realização própria da anedota, ou melhor, como um acontecimento jocoso que ocorre à margem do que poderia ser considerado importante.
É esta disposição natural do intraduzível do pidgin e sua característica brincante que o autor entende que a prática curatorial no meio da arte contemporânea pode vir a ser e é feita por ele. Como ele escreve, o pidgin funciona tal qual uma anedota e, com isso, a pergunta: Poderíamos tratar as exposições como casos, historietas e curiosidades do cuidado do curador?
E é aí, neste movimento de ressurreição da curadoria proposto por Bonaventure, que encontramos os usos positivos e negativos da ideia e da prática do cuidado. Ele concebe o cuidado como algo intrínseco das diversas culturas sociais africanas e, ao mesmo tempo, demonstra os meios com que os Estados-nações e as commodities capitalistas vêm fazendo usos escusos dele. Por isso é que, do título original do livro, The Delusions Of Care, traduzimos "delusions" por "artimanhas" e não por "desilusões" ou "delírios". Foi desejando retirar qualquer interpretação patológica do título, que pudesse ser compreendido como algo acerca das doenças psicológicas, que buscamos maior coerência com os objetivos do autor. Com muita pertinência ele nos aponta que o cuidado precisa ser reestabelecido em uma estratégia coletiva de esquiva criativa, com uma prática curatorial ética insubordinada contra todos os dispositivos coloniais contemporâneos de dominação.
Novamente, Bonaventure nos convida a brincar sério, ludibriando quem acredita nos compreentender e controlar!
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Bonaventure Soh Bejeng Ndikung nasceu em 1977, na cidade de Yaoundé, em Camarões, é curador, autor e biotecnologista. É diretor e curador-geral do Haus der Kulturen der Welt (HKW), em Berlim, além de fundador e ex-diretor artístico da SAVVY Contemporary, na mesma cidade, e diretor artístico do Sonsbeek, em Arnhem. É professor e chefe do corpo docente no programa de mestrado em estratégias espaciais da Weißensee Academy of Art Berlin. Também, curador-geral da 36ª Bienal de Arte de São Paulo (2025), Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática. Entre seus livros publicados estão An ongoing-offcoming tale: ruminations on art, culture, politics and Us/Others (Archive Books, 2022), Pidginização como método curatorial: brincando com linguagens e modos de fazer curadoria (Sternberg Press, 2023; GLAC edições, 2025, edição brasileira) e As artimanhas do cuidado (Archive Books, 2021; GLAC edições, 2025, edição brasileira).





















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