Neste ano, a GLAC edições tem a alegria de publicar pela primeira vez no contexto brasileiro o livro Políticas do Toque: sentidos, movimento e soberania, da filósofa canadense Erin Manning. No livro, a autora discorre sobre como os aspectos sensoriais de um corpo constantemente se deparam com estruturas políticas coercitivas, gerando a necessidade de reformularmos a nossa própria estrutura e percepção dos sentidos – dando ênfase principalmente ao toque e sua capacidade de informar e reformar um corpo –, como meio de propor intervenções políticas que nasçam da experiência sensível de estar em contato com uma matéria-mundo.
Como forma de ampliar o debate acerca do pensamento de Erin Manning, ao longo das próximas semanas, o blog-revista da editora disponibilizará uma seleção de materiais relacionados à autora, incluindo a tradução de alguns de seus artigos e ensaios, bem como pesquisas de agentes e coletivos com práticas que teçam diálogos com a sua obra.
No seguinte texto, traduzido pela artista e pesquisadora Bianca Scliar Cabral, Erin Manning toma emprestado o termo "alumbramento", de Alfred North Whitehead, para pensar um corpo que emerge de suas relações sensoriais com o mundo, formado, informado e deformado a partir de suas vivências e movimentações. A autora defende que, dessa maneira, é possível escapar de uma centralidade do "eu", para pensar uma situação em que o corpo e sua movência se deem de maneira indivisível, sem que o "eu" anteceda o movimento e, assim, poder perceber e experimentar o mundo sem uma forma pre-existente das coisas - e até mesmo de si, que vai se construindo no durante sua vivência. Para isso, a autora vai tensionar uma parte da teoria fenomenológica proposta por Merleau-Ponty para pensar uma ideia de percepção que extrapole o conceito inicial de subjetividade.
Senga Nengudi. Performance Piece (1978). Fotografia em preto e branco. Fotógrafo: Harmon Outlaw
—
Três questões, Três Proposições
Este artigo gira em torno de três questões:
Como o movimento produz um corpo?
Qual tipo de sujeito é introduzido no pensamento de Merleau-Ponty e como esse sujeito se engaja ou interfere com a atividade que ele considera como “corpo”?
O que ocorre quando a fenomenologia (Merleau-Ponty) encontra a filosofia processual (Alfred North Whitehead)?
e estrutura-se sobre três proposições:
Nunca há um corpo enquanto tal: o que conhecemos são contornos e cantos, forças e intensidades: um corpo é seus movimentos;
O movimento não deve ser reduzido ao deslocamento;
Uma filosofia do corpo nunca inicia com o corpo: ela corporifica.
Nos escritos de sua maturidade (em um período em que ele deve ainda ter tido décadas para desenvolver seu pensamento), Merleau-Ponty descobriu Alfred North Whitehead. Ao longo de alguns anos, ele lecionou a obra de Whitehead sobre a natureza e começou a explorar como os conceitos de filosofia processual (um modo de pensamento que começa com o processo e nunca com o "sujeito" de um processo, um que não privilegia o humano, mas trabalha, em vez disso, sob uma perspectiva que critica o que Whitehead chama de "bifurcação da natureza"[1]) poderiam oferecer insights sobre sua abordagem fenomenológica[2].
A virada de Merleau-Ponty para a teoria de Whitehead coloca em questão muitos dos postulados centrais da fenomenologia, dos quais o mais evidente, talvez, seja a relação entre consciência e experiência. Isso leva Merleau-Ponty a admitir, nas notas que acompanham “O Visível e o Invisível”, que o que ele chama de distinção “consciência-objeto”, no cerne de sua Fenomenologia da Percepção, levou-o ao engano[3]. Repensar a experiência, resultante do trabalho com conceitos Whiteheadianos, também desafia outras chaves fenomenológicas fundamentais para a obra de Merleau-Ponty – que há um sujeito que percebe, por exemplo, que os sentires do mundo margeiam a experiência através do humano, que permanece central a aparência do mundo, e que a sensação equivale à experiência.
Para Whitehead, a experiência é uma mundificação que produz "formas subjetivas", mas nunca pressuposta por elas. A consciência é somente o ápice da percepção (e a experiência não depende dela). A sensação é uma fase secundária da percepção (embora sempre interligada e cocompondo) - ou o que ele chama de preensão - que sempre começa não com um sujeito sensorial, mas com a força de uma sintonia relacional (eficácia causal) ancorada sobre a ação no-ato[4] de um conjunto singular de condições a partir das quais, para algumas formas de vida, uma segunda fase, que ele chama de imediação presentacional, emerge (a experiência da qualidade tal como ela se expressa em um campo de sensações). Relação e sensação estão cocompondo na experiência, participativas na experiência direta de um mundo in-formação[5]. O sujeito não precede essa experiência, in-forma-se por ela.
Em Whitehead nunca há a primazia do humano para a experiência: a percepção está no mundo e não é do ou para o mundo. A virada de Merleau-Ponty para Whitehead possivelmente leva a fenomenologia ao seu limite, um limite que é mais que humano, e que começa em momentos de lucidez e contradição, fascinantes e hesitantes (alguns dos quais são explorados a seguir), e que questiona onde a fenomenologia poderia ir se fosse fugir de alguns de seus postulados centrais. O que aconteceria com a fenomenologia, se ela realmente se aprofundasse na filosofia do processo?
A força da filosofia do processo reside na sua capacidade de criar um campo para a experiência que não começa nem termina no sujeito humano. Não há sujeito "da" experiência, nenhuma consciência para além do acontecimento em seu desenrolar. Os leitores de Deleuze e Guattari reconhecerão estes postulados e Whitehead claramente desempenha um papel fundamental também aqui. Para Whitehead, há sempre um complexo entrelaçamento entre o que é absolutamente aquilo o que se tornou ou está se tornando (uma ocasião actual[6]) e o que está no campo do potencial e pode se expressar, como o virtual em Bergson e Deleuze, apenas em seus efeitos, em suas contribuições ato-antes, no ato, da experiência.
Movimento, como Bergson mostrou com seu trabalho sobre duração e tempo (onde a experiência de tempo como tal é sempre uma subtração de uma duração virtual, uma subtração que altera para sempre o teor do campo de duração do qual foi extraído), é a chave para entender a relação complexa entre o actual e o virtual. Há sempre dois fluxos de movimento cocompondo, um deles virtual, mas contributivo, e um deles atualizado. José Gil chama o movimento contributivo – ou duracional – de "movimento total"[7]. Movimento total é o campo do movimento movendo-se, a força virtual do movimento enquanto percorre e se insinua em todos os deslocamentos actuais, em todos os modos de tomar-forma e nas ecologias da vida-vivida[8].
Um corpo nunca preexiste seu movimento. O movimento total flui através de todos os modos incipientes em que se toma forma (contornando a si mesmo através de um "objeto", sombreado a si mesmo enquanto “figura-se”). O que se atualiza enquanto este ou aquele deslocamento, esta ou aquela forma, é apenas uma breve instanciação do que esse movimento se tornou. Coreógrafos como William Forsythe sabem disso bem: Forsythe fala de não encontrar uma forma (“faça esta pose”), mas em dançar a própria força do movimento movendo-se(“encontre o movimento na pose e mova-se com ele"). Ele pede a seus dançarinos para corpar, não para “representar” um corpo. Do substantivo ao verbo, o que o movimento faz é tornar aparente que nada é exatamente o que parece.
Para além de Mim e do Meu
O fato de nada ser bem o que parece sugere um tipo de alumbramento. Um alumbramento não de um sujeito (não "meu" alumbramento) mas um alumbramento em movimento (um alumbramento que move o eu no qual estou me tornando).
Maxine Sheets-Johnstone escreve:
"Dizer que, ao improvisar, estou no processo de criar a própria dança a partir das possibilidades que são minhas a qualquer momento da dança, é dizer que estou explorando o mundo em movimento; isto é, ao mesmo tempo em que estou me movendo, estou levando em conta o mundo que existe para mim aqui e agora. Como alguém pode pensar sobre o mundo em palavras, eu alumbro o mundo diretamente, em movimento; estou ativamente explorando suas possibilidades e o que percebo no curso desse alumbramento ou exploração está envolvido intrínsecamente ao processo de mover-se". [9]
No relato de Sheets-Johnstone, o desejo de discretizar o "eu" e o "meu" do movimento ainda é marcante, apesar da tentativa em articular uma qualidade de movimento que excede a “tomada-de-forma" planejada por um deslocamento prescrito exteriormente, o que ela está procura conceitualizar como a ausência de "eu" de um movimento que “alumbra o mundo diretamente". Este eu, meu, minha, é um hábito, uma maneira de dizer que indica a progressão linguística que perpassa muitas línguas, onde o fraseado faz do sujeito o incitador de toda ação. Se há movimento, este deve ser "meu". E contudo, nesta citação (uma citação que faz parte de um trabalho, devo acrescentar, que, no momento em que foi escrito, ainda estava enredado dentro de uma perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty que Sheets-Johnstone, desde então, deixou para trás), há um retorno estranho ao próprio "eu" que a enquadra. O "eu" de "Estou alumbrando o mundo diretamente, em movimento" está eclipsado na diretividade do encontro: no alumbramento da improvisação, o "eu" é efetivamente deixado para trás. Ainda permanece, é claro, na escrita: "Eu estou explorando ativamente suas possibilidades e o que eu percebo no decorrer deste alumbramento ou exploração é envolto no próprio processo de mover-se", contudo, menos enquanto conceito e mais como um modo de guardar o espaço. Ao que parece Sheets-Johnstone teve aqui um insight que ainda não alcançou a reformulação necessária na estrutura semântica. No alumbramento não sou "eu", mas o movimento que torna-se o sujeito.
Se este for o caso, a força da proposição poderia ser lida diferente: não é um "eu" quem está no processo de criar uma dança, mas a própria dança que está no processo de criar um "eu", um eu que na sua incorporação vai conhecer o mundo diretamente. O eu está em movimento, ativo em uma mundificação, levando o mundo em consideração, cocompondo com as inflexões do movimento, em sintonia com suas tendências a tomar forma. O alumbramento é a capacidade do acontecimento de criar um corpar[10] que excede a si mesmo, alterando o próprio campo do que o "eu" poderia ser.
Esse tipo acontecimento-movimento[11] repleto de alumbramento raramente é averiguado como tal – sendo rapidamente resumido ao que sucede ao movimento-movendo-se. Mas mesmo sem que sintamos esta experiência do alumbramento, alumbramos o mundo diretamente o tempo todo, mesmo no mais banal dos movimentos cotidianos.
Existe um número infinito de tendências-em-formação[12] que preenchem qualquer acontecimento-movimento. Estas tendências-em-formação estão mergulhadas em hábitos que, apesar de estarem em modulação contínua, tendem a afinar o movimento para a sua concretização – este ou aquele destino, esta ou aquela pose, este ou aquele eixo.
Afinar o movimento em uma direção, uma pose, um eixo formal, constrói o pano de fundo da sensação direta do alumbramento, que ocorre no ofuscamento do Eu. A chave para explorar o potencial do movimento não é negar estas instâncias, nem de retorno-à-forma nem de orientar-se diretivamente, mas tornar-se consciente de que todas as movências, em última instância, excedem o que parece estar tão firmemente no centro do movimento: o eu. O movimento atravessa o eu que está em formação: experiência, percepção, sensação – tudo isso são movimentos, e cada um contribui, em uma infinidade de maneiras, para o que "eu" se tornará em qualquer ocasião dada.
O movimento se move e na movência, na atualização da experiência, ocorrem inclinações. Mas essas inclinações ainda não são corpos, ainda não são formas – são inflexões, forças direcionais através das quais um certo nó de tendências começa a se unir. Esse nó é o corpar. Não é um "eu", exceto no sentido de Individuação. É o que o "eu" terá se tornado no tempo absoluto desta iteração singular. Na individuação, no que Whitehead chama de concrescência da ocasião actual, o que se individuou é absolutamente aquilo o que é. Mas apenas fugazmente, posto que é percorrido pelas forças de seus subseqüentes devires. O que surge como forma, portanto, nunca é um sujeito genérico, é o sujeito do acontecimento. Superjecto[13], como Whitehead diria. E então nós temos duas tendências concomitantes. Por um lado, na experiência do movimento-movendo-se, um “eu” frouxo, o ingresso do movimento total. O movimento oscila no potencial. Por outro lado, temos uma subtração do potencial do acontecimento, que reduz o movimento para esta ou aquela ocasião atual. Da imanência ao no-ato[14]: todo evento oscila com as tensões dessas fases-limítrofes da experiência. E no ato, o que se torna conhecido, quando pode ser sentido como tal, é o tremor, o alumbramento dado na ausência de um “eu” pré-determinado no desdobramento do acontecimento, um alumbramento que não pode deixar de indagar: onde estou eu nesta turbulência do movimento?
"Onde estou eu" toca na qualidade inatingível do movimento-movendo-se, lembrando-nos que o movimento está sempre na infinidade de uma encruzilhada entre um onde e um como e nunca em um quem. Não eu, não aqui, não ali, onde, no meio da experiência em-formação. Não “quem”, mas "como" – não quem é o sujeito, mas como ele vem à experiência (como acontecimento, corpando). “Onde eu estou eu” – um campo ontogenético de experiência em construção.
No campo ontogenético da experiência, ainda não existe uma categoria de self, de corpo, daquele que percebe exteriormente. Alumbrar o mundo diretamente é ter tocado, momentaneamente, o afrouxamento de “onde” o movimento se move. “Onde estou?” - no meio de uma ecologia de relações, dançando a dança que me dança. “Onde estou eu?” – inundada em vestígios de técnica, com sinalizações de forma e expectativa, movida por um movimento que me excede[15]. “Onde estou eu?” - transportada pela força do movimento-movendo-se, carregada por tendências no movimento em direção a uma reorientação do campo de expectativa. Onde? Dançando no limite do que pode um corpo.
Alumbrar-se ao mundo diretamente, em movimento, é participar em um envolvimento que desafia a centralidade do eu. Não é um "eu", como um sujeito fechado em si, que cria o movimento, mas o movimento que está no processo de recalibrar um “eu” que acabará por emergir, sem âncoras. Não "eu estou alumbrando-me“, mas " onde este movimento me alumbra?" Um corpo nunca antecede sua movência.
Movimento total
Alumbrar é o conceito-limite deste processo de recalibração, a oportunidade, em movimento, de experimentar o mais-que possível do movimento: seu potencial infinito. Alumbrar-se ao mundo diretamente é experimentar ser dançado no movimento, sentir a composição do movimento afinando-se a uma topologia do espaço-tempo que afeta, que torce o corpar emergente afetivamente. Afinal o alumbramento vem à tona apenas em um campo de exploração não motivado por um sujeito pré-existente. O alumbramento é a força de ter sido movido, sentida no fluxo presente, a força que calibra cada ponto de partida e todo o equilíbrio, uma força de desorientação exuberante. Ao alumbrar-se ao mundo diretamente, o mais-que do movimento actual - o que José Gil chama de movimento total - é tocado, é sentido. Este mais-que – a força da intensidade virtual do movimento – participa da movimentação, abrindo o movimento para uma qualidade que excede a tomada de forma deste ou daquele deslocamento. Aqui o movimento dança além de sua técnica em direção ao que chamei de tecnicidade – a força de sua singularidade potencial – o movimento sempre ativo além da estabilidade de sua iteração passageira. Esta força do movimento-movendo-se tem uma qualidade inefável, uma qualidade – uma tonalidade afetiva em movimento – que toca o limite da força da forma do movimento, mudando a dança para um lugar de invenção momentâneo. Não o sujeito inventando, mas o movimento inventando.
O movimento inventa no além da possibilidade, se a possibilidade é concebida como aquilo que está dentro do campo já-conhecível ou já-pensável, onde as variações são sempre variações sobre um tema. O movimento excede o tema, sempre para além do que alcança a forma. O Movimento Total é como poderíamos conceituar o além da possibilidade do movimento, o campo de seu potencial. É o campo relacional do movimento-movendo-se, um plano virtual que faz o ingresso neste ou naquele movimento actual, mas nunca é atualizado enquanto tal. Se entendermos fenomenologia tal qual definida por Merleau-Ponty, como “um estudo da aparência do ser até a consciência”. o movimento total não pode, de modo algum, pertencer ao registro do fenomenológico (1981, pg.61, tradução de Bianca Scliar). É sentido, mas não pode ser reduzido ao ser. É sentido, mas não em uma consciência do que pertence a um sujeito exterior ao acontecimento.
O movimento total, quando sentido nas margens do movimento actual, leva o acontecimento para o registro de alumbramento. A empolgação do “uau” do alumbramento pode parecer trazer um sujeito de volta ao acontecimento - “foi mesmo eu !?” – mas, isso nunca terá sido um sujeito fenomenológico, pois este nunca precede o acontecimento. O sujeito através do qual o alumbramento é sentido é sempre um superjecto Whiteheadiano, o resultado da força de ajuntamento do acontecimento.
Conhecer um movimento “como tal” é ter arrancado o movimento de seu processo. Dançar as fronteiras é aflitivo e impossível de sustentar – a aterrissagem é sempre iminente. E então a experiência de alumbrar-se tem curta duração: a forma inevitavelmente retorna. No entanto, a forma é diferente a cada vez, ativa tal qual na constelação de seu surgimento. A hecceidade do "aqui" da forma é uma miragem. Afinal o movimento não parou. O que parou e tomou forma é apenas uma subtração do total campo de movimento – um passo, uma forma, uma figura sempre a caminho de outra coisa. Isto não quer dizer que existe outra forma mais perfeita, mais alinhada, mais complexa em outro lugar (escondendo-se em algum stratum neutro erroneamente tomado como sendo aquele do "movimento total"). Esta forma agora é tudo o que existe, e com o ingresso do movimento total em suas fronteiras, ambos, movimento total e actual transformaram-se (cada um no limite do outro). Cada tomada de forma é uma recalibração do que sempre foi apenas um campo, uma ocasião em sua duplicidade desequilibrada. É vital não colocar movimento total dentro de um tipo de transcendência, como se o seu plano fosse definitivo e sempre assegurado. O movimento total é uma qualidade do mais-que do movimento movendo-se, que acompanha todas as tomadas de forma e que só pode ser sentido na tomada de forma que é a da ocasião actual do movimento. Cada forma emergente ajusta o campo extensivo da experiência, sintoniza seu movimento total em direção à novas ecologias, novos potenciais. O movimento total não é para ser possuído, não é para ser experienciado enquanto tal. Sua contribuição está no como a tomada da forma do movimento ocorre, e não em seu "o que." O movimento total é a razão pela qual nenhuma forma pode ser reproduzida e o porquê de nenhum corpo poder preexistir o evento de sua corporeidade.
Este paradoxo do movimento – o fato de que não há reprodutibilidade definitiva, nem tomada de forma completa e final, de que nos movemos infinitamente, mas nunca estamos realmente lá – é um desafio para o pensamento, especialmente à luz do fato de que é o movimento que permite a tomada de forma que ele infinitamente excede. Este paradoxo está no cerne da filosofia de Whitehead e é sua preciosidade. Para segui-lo, a chave é desistir do conceito de tempo métrico e considerar o tempo em toda a complexidade duracional que Bergson propõe, tendo sempre em mente que qualquer acontecimento subtraído da infinidade da duração tem um efeito sobre esta infinidade, alterando seu curso. Isso nunca refere-se a criar dois campos opostos, o finito e o infinito, o actual e o virtual, mas a tentar tornar tangível o que suas harmonias transversais incitam.
Em um texto da maturidade de Merleau-Ponty intitulado Everywhere and Nowhere (1964), ele começa a endereçar uma noção semelhante ao movimento total. Merleau-Ponty escreve:
A extraordinária harmonia do exterior e interior só é possível através da mediação de um infinito positivo ou (já que toda restrição de um tipo de infinito seria uma semente de negação) um infinito-infinito. É neste infinito positivo que a existência actual das coisas, partes extra partes e extensão, tal como as pensamos (o que, ao contrário é contínuo e infinito) comunicam-se ou são unidas. Se, no centro e por assim dizer no núcleo do Ser, existe um infinito-infinito, todo ser parcial o pressupõe, direta ou indiretamente, e é, retroativamente, real ou eminentemente contido nele (1964b, pg.148-149, tradução de Bianca Scliar). [16]
Lawrence Lawlor lê esta passagem de acordo com a minha percepção de que, nesse período, Merleau-Ponty procura um vocabulário para a experiência que o tire do círculo vicioso de subjetividade[17], na qual a consciência continua a ser orquestrada por um certo sentido de intencionalidade orientada pelo sujeito. Na passagem acima, uma mudança parece estar ocorrendo no pensamento de Merleau-Ponty, que abriria a experiência a sua infinitude, sem privilegiar um ponto de partida primordial. O infinito-infinito não começa nem termina – como o movimento total, insere-se, sintonizando não com a contenção, mas com seu excesso. Alumbramento.
Senga Nengudi. Studio performance with R.S.V.P. (1976). Fotografia em preto e branco. Fotógrafo : Ken Peterson
A força do Movimento-Movendo
A força do movimento-movendo pode ser sentida no ingresso do movimento total no actual. Existe em todo movimento, cotidiano ou virtuoso, um mais-que que excede sua atualização. Gil discorre sobre o mais-que em termos de equilíbrios, sugerindo que cada estabilidade é uma multiplicidade – não há um eixo único do corpo, nenhum ponto isolado de êxtase. O que há, em vez disso, é o que Simondon chama de metaestabilidade – equilíbrio precário. Todo equilíbrio aparente é de fato composto por um infinito número de micromovimentos, movimentos tão minúsculos que são quase imperceptíveis, mas também de movimentos virtuais – intervalos, intensidades, forças. Nenhum pode ser pensado sem o outro – um micromovimento não é simplesmente um movimento menor. É a força vibracional dentro do movimento actual, que agita dentro de cada deslocamento, dentro de cada figura ou forma. É o que torna o movimento múltiplo e ativo de modo complexo.
O movimento virtual é também uma força vibracional, mas opera dentro do campo do movimento-movendo. O movimento virtual tem uma qualidade que flui através de, ao invés de agir sobre. No entanto, estes dois limites do mesmo campo de movimento – o actual e o virtual – são muito difíceis de distinguir. Tome o exemplo da pose do dançarino no yoga[18]. Aqui está em jogo um equilíbrio complexo: o torso estende-se para frente e para cima, uma perna aterrada, a outra suspensa por uma mão de tal modo que a perna estendida curva-se em direção à cabeça inclinada para a frente. A perna estendida se contrai em micromovimentos mesmo quando aparenta estar imóvel – milhares de reorganizações estão ocorrendo continuamente para sustentar a pose, evitando que caia para fora de si mesma, buscando uma metaestabilidade na imobilidade (a parada do movimento sempre se dá na saída de si mesmo – o equilíbrio deve permanecer em movimento para ser mantido). O papel dos micromovimentos está claro, mas e o dos movimentos virtuais? Todos que já tentaram entrar nesta postura admitirão que pensar é algo perigoso. O que é esse "pensamento" que desestabiliza, se não uma força virtual? Essa força virtual do pensamento pode funcionar em mais de uma maneira. Se o pensamento é externalizado – como em um "pensamento sobre" – a tendência será cair fora da pose. Isso terá acontecido porque os micromovimentos que recalibram o equilíbrio e o movimento virtual que o intensifica ficarão cada vez mais dessincronizados. "Pensar sobre" cessará, de certo modo, o equilíbrio em movimento, levando a um movimento-fora-de-si que resultará na perda daquele equilíbrio particular. Por outro lado, um pensamento-com (que provavelmente será sentido como um não pensar) levará a uma fusão dos movimentos virtuais e dos micromovimentos de tal forma que o equilíbrio vai ser sentido como se o seu trabalho estivesse sendo feito por conta própria, sem mim. Isso ocorre porque este pensar-com é absorvido pelo trabalho do micromovimento: ele afina-se aos micromovimentos, como se fora um pensar desde dentro. Por outro lado, o pensar-sobre direciona a atenção a um estado fora do equilíbrio momentâneo, por isso desestabiliza aquilo o que já está precário.
O movimento se move com os movimentos de pensamento, com a junção do movimento que pensa a si mesmo. Aqui, o pensamento e o movimento tornaram-se uma coisa só. É isso que Gil referencia ao escrever sobre a "consciência do corpo” ou consciência[19]. Micromovimentos e movimentos virtuais sempre cocompõem para criar uma complexidade que chamamos de estabilidade, na qual cada equilíbrio, cada passagem ou postura já é sempre múltipla, metaestável, actual e virtual, mesmo quando aparenta estar em seu ponto mais imóvel.
A metaestabilidade do equilíbrio é o modo pelo qual um corpar toma forma, sempre levemente fora de equilíbrio, precário. Este tomar-forma singular é uma etapa no campo mais amplo do movimento-movendo: é sua capacidade de defasagem que tece seu movimento. Este equilíbrio precário, este corpar em desequilíbrio também é um movimento relacional. Ele não pode ser pensado fora de sua cossintonia implícita com o meio-associado - o campo relacional do intervalo - sua emergência. Corpares emergem das atividades dos intervalos – estes milhares de pequenos equilíbrios, estas milhares de pré-acelerações incipientes. É o pensamento em movimento que assegura a conexão destes intervalos. O pensamento, como uma força relacional, em conjunção com o movimento-movendo, o pensamento como aquilo o que ativa as complexas constelações do virtual e do actual que cocombinadas na movência. O movimento relacional é sempre um movimento do pensamento, e cada movimento do pensamento gera um no-ato do movimento movendo.
Quando o movimento relacional é sentido, seja na calçada ou em uma performance de dança, o que está em jogo é uma sintonia de afetos que excede o sujeito movente enquanto tal. O campo emergente do movimento-movendo em sua metaestabilidade múltipla é percebido momentaneamente de forma direta. Alumbrar-se ao mundo diretamente. Existe aqui uma qualidade de um corpo-excedente (não a perda do corpo)[20], um corpar em movimento que exprime a si mesmo com uma qualidade, talvez de simplicidade, sem esforço porque não é o sujeito, não é o corpo pré-moldado que executa um movimento, mas sim o campo relacional em si que se move. O movimento-movendo está ativando uma ambiência que ressoa com tudo o que está em seu caminho. Isso é o que Suzanne Langer quer dizer quando fala de forças virtuais, ou forças da dança.
José Gil toca no campo relacional na sua exploração sobre como um movimento fora de equilíbrio é alcançado na dança. Ele escreve: “O equilíbrio não é mecânico, físico, mas “virtual”. É o corpo virtual que dança (Suzanne Langer), não o corpo de carne e músculos. Ou ainda: o corpo de carne actualiza o virtual ao dançar, encarnando e desmaterializando-o simultaneamente[21]. Mas, como Gil alerta, isso não implica fazer uma separação entre dois sistemas, aquele do corpo e aquele do espírito (...) O equilíbrio do dançarino é virtual não porque deriva de uma ação da consciência sobre o corpo, como efeito de uma causa física, mas porque esta ação pertence à presença do corpo no momento exato em que se manifesta. A actualização do virtual é um ato. (GIL, 2001)
A manifestação, o no-ato do movimento-movendo está sempre no excedente da tomada de forma de si ou de seu deslocamento. A forma é nada além de uma reflexão tardia, uma demonstração física de uma certa imobilidade. Atualizar o virtual na dança implica em criar um encontro com o potencial que, enquanto atravessa a forma, nunca permanece ali. Este encontro com o “onde” do desaparecimento da forma permite que uma outra coisa apareça. Esta outra coisa é a metaestabilidade do movimento-movendo: o ponto vibratório onde o excesso de movimento e sua deterioração ante a forma estão em cocomposição. “O movimento do dançarino transformou o corpo em um sistema de ressonância [...] de tal modo que o infinito torna-se actual [...] e isso ocorre graças ao efeito de amplificação infinita que é obtido na ressonância de todo o movimento em um sistema de equilíbrio instável” (GIL, 2001).
Um eixo móvel emerge entre os movimentos que não mais esperam nem buscam um centro. O campo ressonante do movimento relacional está em si mesmo em movimento, criando uma multiplicidade de equilíbrios em ação. O campo da dança abriu-se para o mais-que de sua iteração física. Não há dois dançarinos, mas dois+i, onde “i” representa o intervalo, a individuação e o infinito-infinito.
Onde a fenomenologia se equivoca
Nas suas anotações tardias, Merleau-Ponty escreve: “Os problemas colocados na Fenomenologia da Percepção são irresolúveis, porque eu começo ali a distinção entre 'consciência' - 'objeto' ”. [22]
Conforme mencionado anteriormente, é em seu curso sobre a natureza (1956-1958) que Merleau-Ponty contorna de modo mais consistente o pensamento de Alfred North Whitehead. Aqui, tanto quanto em suas últimas anotações para o “Visível e o Invisível”, é possível sentir que, caso Merleau-Ponty tivesse vivido mais, Whitehead teria tido um papel central em sua filosofia, alterando seu trabalho do foco primordial dado à experiência vivida[23] para a questão do ato em sua relação com o infinito-infinito.
Para recapitular: semelhante ao movimento total, o infinito-infinito não pode ser conhecido como tal, mas é sentido em seus efeitos como uma força relacional ou contributiva. O movimento total é uma forma de trazer o conceito de movimento ao plano de imanência para tornar sentidos, tal qual no conceito do infinito-infinito, o contínuo desdobramento dentro e fora da imanência (por subtração) na atualização. A ocasião actual – aquilo que é absolutamente o que é, este passo, esta tomada de forma – nunca é completamente despojada deste potencial do infinito-infinito. Suas margens direcionadas à forma permanecem afinadas a ela, sempre, e é isso que faz com que o ato seja, em última instância, processual. Uma vez que esta forma sempre terá sido essa forma, e todos os outros modos de tomar forma sempre terão sido aquela forma, o no-ato (in-act) sempre terá sido momentâneo, e sempre já terá dobrado no campo imanente do nexo da experiência, a partir do qual novos modos de tomar forma, novos corpares terão emergido.
Em um pensamento que toma seu ponto de partida do 2 + i, não pode haver um sujeito ou objeto pré-formado. Ambos devem ser imanentes ao desdobramento do ato. Merleau-Ponty assinala esta direção em seu curso sobre a natureza de 1956-1957. Ele escreve: “O objeto é a forma abreviada de marcar o fato de que houve um conjunto de relações”, sugerindo, seguindo Whitehead, que o objeto nunca é uma coisa em si (1994: 158, tradução da autora). Um objeto é uma constelação de relações. Um objeto sombreia a si mesmo no-ato. Se um objeto está sempre no-ato, seguimos que o mesmo seria válido para um sujeito, que ambos seriam emergentes no acontecimento. Este é de fato o argumento de Whitehead: “Uma ocasião é um sujeito em relação à sua atividade especial concernente a um objeto; e tudo é um objeto em relação à sua atividade especial em um sujeito” (Whitehead 1967: 176).
Ao tomar Merleau-Ponty por suas palavras, devemos ler em seus últimos escritos a necessidade de abolir a estrutura que associa a imanência com a transcendência dependente de um sujeito (transcendental) para a constituição da experiência. Mas, como podemos seguir até exceder os limites do finito a dicotomia sujeito-objeto, mantendo um pensamento de consciência como aquilo que precede a experiência e a constitui? Como pode o no-ato tornar-se a força de composição quando a consciência permanece como a “intencionalidade sem ação”, onde o “Ser é o ‘locus’ onde os ‘modos de consciência’ estão inscritos enquanto estruturantes do Ser (…) e estruturantes do Ser são modos de consciência? (Merleau-Ponty 1964: 158, 292).
No pensamento de Whitehead, a consciência está ancorada num campo de contrastes – como, por exemplo, entre aparência e realidade, onde a aparência é a fundição ou preensão de certos pontos de ênfase e a realidade é o campo mais amplo da experiência, não apreendido enquanto tal, ou, em alguns casos, “preendido negativamente”[24]. A questão do ato para Whitehead nunca pode ser reduzida à questão da consciência. “Consciência pressupõe experiência, e não a experiência a consciência [...] Assim, uma entidade atual pode ou não estar ciente de alguma parte de sua experiência" (1978: 53). Consciência funciona subtrativamente "como a sensação de negação" (1978: 161). Ter consciência no acontecimento é experimentar um fundo de certas afinações e tendências. A consciência nunca é do todo: “a percepção consciente é [...] a forma mais primitiva de julgamento” (Whitehead 1978: 162).
José Gil nos leva a um caminho um pouco diferente de Whitehead. Em um esforço semelhante para levar o sujeito para além da consciência e afastar-se de uma "consciência-de" fenomenológica (consciência cognitiva), opta, como mencionado anteriormente, por uma noção não consciente de consciência corporal – um pensamento em movimento, que ele chama de "consciência do corpo", que se traduz em inglês como atentividade (awareness). Para Gil, questões complexas sobre o movimento, tais como as relacionadas ao equilíbrio, requerem uma certa noção de atentividade, uma consciência-com. Seguindo Steve Paxton, que fala de uma consciência que viaja para o interior do corpo, Gil sugere que existe uma "consciência inconsciente" que caracteriza a experiência do movimento. Ele fala de um “corpo penetrado pela consciência”, referindo-se não a uma consciência externa (forma de julgamento), mas a uma infraconsciência no movimento.
A consciência corporal como define Gil depende de “uma osmose completa entre a consciência e corpo" (Movimento Total). Tal osmose não pode ser mantida indefinidamente: ela aparece em jatos de intensidade, na dor, por exemplo, ou na coreografia magnífica e às vezes aterrorizante das bicicletas em movimento na hora do rush em Amsterdã. Em tais casos, Gil sugere, não há mais a sensação de um corpo-objeto ou uma visão externa do corpo (uma "imagem corporal"[25]). Essa atenção sentida no movimento, provocada pela osmose entre a consciência e o corpo leva, em vez disso, a uma ampliação do campo relacional da experiência através do qual emerge um corpar cocomposto.
Neste relato de como corpo e consciência se tornam um, há uma imbricação complexa do que Whitehead chama percepção "não-sensória" com a percepção actual. Por não-sensória, Whitehead indica o campo da experiência que excede a apresentação dos sentidos. Em uma percepção não-sensória o que é percebido emerge não das situação-sensorial do ambiente presente (como em "este" toque ou "esta" visão), mas através de uma sobreposição do que já passou em situações que antecipam o futuro imediato – uma percepção direta do tempo não sincronizada. Com a percepção-não-sensória vem o sentimento, no movimento, de que o passado e o presente estão coagulando em uma experiência de um no-ato já sentido. Isso é fundamental para a filosofia processual de Whitehead como um modo em que o passado pode contribuir para o presente no-ato, não enquanto o passado que foi, mas como uma dimensão do presente-em-formação. A percepção-não-sensorial é uma das maneiras pelas quais o campo da imanência (ou o nexo da experiência) contribui ativamente para o presente-formando-se. Isto não refere-se a situações-sensórias, porque ocorre antes que um corpar possa sentir. Isto ocorre no infra-corpar que antecede o acontecimento tomando forma. A situação-sensória é em si uma outra etapa, um metaprocesso que já depende de algo a ser assegurado no-ato. É fundamental aqui distinguir entre sentimentos, a situação-sensória e a sensação.
Sentimentos, para Whitehead, sempre precedem a situação-sentida – que, por sua vez, é da ordem do corpar, enquanto os sentimentos são da ordem do potencial para corpar (e a sensação é seu conectivo). A percepção não sensória é recheada de sentires.
Cada movimento no-ato é imbuído de passeidades[26] – cada passo é composto pelos milhões de passos que o precederam, e, no entanto, cada passo é também único a si mesmo. O que Gil está apontando com seu conceito de consciência-com é essa sobreposição de passeidades na presentificação, chegando à ação como esse ou aquele pensamento-sensorial em movimento. Este pensamento-sentido em movimento é uma consciência-com do tempo girando sobre si mesmo. Aqui, o campo do movimento se torna consciente do potencial de movimento, e na consciência dele, o corpo se compõe para este ou aquele movimento que vem-lembrando o futuro ao mover-se. “O corpo preenche a atenção com sua plasticidade e continuidade. Assim, um certo tipo de consciência é formada (...)” (Gil, 2001). Consciência, aqui, é com-corpo, não "do" corpo, no campo relacional do movimento-movente (pensando com, ao mover-se).
O conceito de consciência-com, ou atenção em Gil, não é fenomenológico. “Como defini-lo?” Gil pergunta. “Bem, de modo completamente diferente da consciência fenomenológica (...) A fenomenologia nunca considerou a consciência do corpo fora da intencionalidade” (Gil, 2001). A consciência no pensamento de Gil é coemergente à experiência no pensamento-sentido. Ela é expressiva num registro sempre excedente àquilo o que expressa[27]. Ela é a força anterior à sua forma, micropercepção, tendência, oportunidade, sentida como tal, "alumbrar-se ao mundo diretamente, em movimento".
Esta consciência-com é um tipo de atenção porosa, aberta, que se multiplica, dispersa. Ela é expressiva nas formas dos contornos da experiência. “A consciência do dançarino dissemina-se no corpo, dispersa-se e multiplica-se em pontos inúmeros de contemplação interna e externa; e, ao mesmo tempo, parcialmente destrói a si mesma enquanto consciência translúcida de um objeto, deixando-se ser transportada na corrente do movimento. (GIL, 2001). A consciência invade o devir-corpo, sintoniza-o, afina-o, mesmo quando o devir-corpo invade a atenção. Corpo-mundificando.
O Presente em Perpétuo Movimento
O Movimento que eu crio de fato a qualquer momento, não uma coisa que eu faço, uma ação que tomo, mas um momento passageiro em um processo dinâmico, que não pode ser dividido em princípios e fins. Há uma ambiguidade no meu movimento, uma dissolução da consciência dos meus movimentos em um perpétuo presente em fluxo em meu movimento (Sheets-Johnstone, 1981).
Observe a mudança aqui no pensamento de Sheets-Johnstone. Ambas as citações (a anterior sobre alumbrar-se com o mundo diretamente e esta sobre o processo dinâmico de mover que excede o sujeito) são de um mesmo artigo. No curso da composição, nota-se uma estratégia de escrita que consegue refrear o hábito de colocar o sujeito em primeiro lugar, de situar o sujeito fora da atividade de seu corpar.
O conceito de atenção ou consciência-com de Jose Gil, da mesma forma nos tira da tendência da primeira pessoa. Isto é, em grande parte, para onde a escrita de Gil inclina-se. Não sou "eu" que estou ciente, mas o acontecimento do movimento está ciente. Movimento como forma dinâmica a partir da qual certas tendências corporais tomam forma. Uma afinação afetiva antes de uma forma, uma velocidade, uma intensidade, uma elasticidade antes da representação da forma de saltar / virar / correr / cair.
A forma dinâmica do movimento-movendo nunca é percebida como tal. O que é percebido são as maneiras pelas quais as sintonizações se resolvem. Nesta intensidade espiral, neste sentimento de conexão com o solo móvel. Corpo dinâmico em movimento.
Nós não consideramos mais o corpo como um "fenômeno", uma percepção concreta, visível, evoluindo no espaço cartesiano objetivo, mas como um corpo-metafenomenológico, visível e virtual ao mesmo tempo, um aglomerado de forças e transformador do espaço e tempo, transmissor de sinais e transsemiótico, com um interior ao mesmo tempo orgânico e pronto para dissolver em sua ascensão à superfície (GIL, 2001).
Na metaestabilidade de uma dinâmica corporal, o que se forma não é um corpo fenomenológico, mas uma tendência, uma sintonização, um efeito que se move com o mundo e é coconstitutivo dele. "Um corpo paradoxal" (GIL, 2001).
"O corpo" é paradoxal precisamente porque nunca existiu como tal. Ele vem para formar, ele gera figuras, mas nunca "é". O corpo é sempre um verbo, uma atividade de corpar, um tornar-se ativo das tendências paradoxais – os desequilíbrios, os múltiplos equilíbrios – que o incitam a cocompor, dinamicamente, relacionalmente, com o mundo. O que nós viemos a conhecer como "corpo" é sentido como um paradoxo esplêndido, mas apenas no movimento, e o que é sentido não é sua exterioridade ou sua imagem externa, mas a qualidade de estar com a ação-em do evento percorrendo-a. Corpo é acontecimento. Acontecimento dançado.
Onde a Fenomenologia encontra a Filosofia Processual
Merleau-Ponty escreve:
Não somos nós que percebemos, é a coisa que percebe a si mesma aqui – não somos nós que falamos, mas a verdade que fala no coração da fala - a natureza porvir do homem é o devir homem da natureza- o mundo é um campo, e enquanto tal está sempre aberto.[28]
A percepção acontece. O mesmo pensador para quem a percepção parece aliada a uma noção original de consciência sugere que a percepção aterrissa. Esta é a tensão no trabalho tardio de Merleau-Ponty, a percepção parece oscilar entre a noção de preensão – uma atração para acontecimentos emergentes em uma constelação de tendências – e a noção de percepção enquanto aquilo que está atrelado a uma suposta subjetividade ou localização. Mover-se além, em direção à Whitehead, teria significado, como já foi sugerido, abandonar as ideias de consciência tal como definidas por Merleau-Ponty, para além das ideias de primordialidade em relação à experiência, e aliar-se a uma teoria da percepção menos humanista e mais ontogenética, uma teoria que não requeira um sujeito perceptor pré-existente, ou aquilo que seria a localização (place-holder) do sujeito. Fazendo referência explicita à citação acima, isto significaria quebrar a simetria do "homem tornando-se natureza, natureza tornando-se homem", alterando a humanização da natureza para outro modelo de uma vez por todas, onde o campo das relações é que é o sujeito do acontecimento. Há muitas passagens nos cadernos póstumos de Merleau-Ponty que sugerem que esta virada estaria iminente. Aqui está um exemplo: ‘o ponto de vista do objeto’ e o ‘ponto de vista do sujeito’, um comum entrelaçamento (serpenteamento), o ser como um entrelaçamento, (o que chamei de ‘modulação do ser no mundo’). É necessário entender como isso (ou qualquer Gestalt) é uma percepção “no fazer, nas coisas” (1968: 194, tradução de Bianca Scliar a partir da modificação indicada no original).
Eu vejo essa tendência também em seus comentários sobre a cor, onde a cor às vezes corresponde aproximadamente à noção do objeto-eterno de Whitehead (que, paradoxalmente, é mais infinito-infinito do que eterno e definitivamente não é um objeto), definida como a força relacional e contribuinte à ocasião actual de uma certa qualidade, que acrescenta uma certa 'singularidade' e hecceidade, ainda que infinita, ao acontecimento.
O no-ato da filosofia de Whitehead é monádico apenas na medida em que uma ocasião atcual, em seu ápice, será sempre exatamente o que se tornou. Uma vez que uma ocasião atinja sua “forma subjetiva”, nunca será diferente do que é. Uma palavra dita sempre terá sido dita, uma flor curvando-se para o sol sempre terá sido aquela curva específica. Mas combinada com essa atomicidade, vem a noção de objetos eternos, que podem ser pensados como hecceidades que ingressam em ocasiões, dando-lhes sua força relacional e qualitativa. Um objeto eterno é "potencial puro" que contribui "para a definição dessa entidade real" (Whitehead 1978, p.23, tradução de Bianca Scliar). “No que diz respeito a seus funcionamentos como objetos, esta é a grande distinção entre uma entidade actual e um objeto eterno. Uma é a matéria de fato teimosa e o outro nunca perde sua inclinação de potencialidade "(Whitehead 1978, p.239, tradução de Bianca Scliar).
Merleau-Ponty fala do "ser-rosa da rosa, ser-sociedade da sociedade, ser-história da história". Isso, explica ele, "não é a sociedade, a rosa vista por um sujeito, não é um ser para si mesmo, da sociedade e da rosa [...] é a roseidade que se estende por toda a rosa ”(1968, p. 174). Merleau-Ponty toca aqui em uma qualidade de experiência que excede a fenomenalidade do objeto e refuta a posição do sujeito-observador. A roseidade, a sociabilidade, é uma qualidade que percorre todo o acontecimento, superando a ocasião tal como ela é demarcada. A corporeidade do corp(ar)- fora do alcance da fenomenologia, e ainda viva nas margens do pensamento proposto pelo próprio sistema que ela extrapola.
Objetos eternos pertencem ao infinito-infinito, ou ao movimento total. Eles são a qualidade através da qual a relação é sentida: são o que liga os campos de imanência e a atualização. Para cada movimento há uma qualidade de movimento, enquanto "objeto eterno", que é imanente à sua forma, à sua leveza, a seu aterramento. Essa qualidade imanente afina o movimento à singularidade do singular tomando forma, sua leveza, sua firmeza. Quanto mais complexa a tonalidade de afetos do movimento, mais intrincada sua rede relacional.
Além da Consciência indo ao Intervalo
A teia relacional do movimento é ativada através do intervalo, ou o que Gilbert Simondon chama de meio-associado. O meio-associado não deve ser entendido como algo entre um set já enquadrado. O meio-associado é o entrelaçamento intensivo de toda tomada de forma. Está acentuadamente entre, acentuadamente mais-que, e acentuadamente contributiva. O meio-associado enquanto intervalo é a qualidade da relação que ativa o entre-deux, por exemplo, do passo e o chão, que dá à pisada um sentido de que um terceiro está sendo criado no movimento, que não é nem especificamente a terra nem o corpo, mas um tipo de aterramento no corpar. É a força que provoca a individuação da qualidade do movimento. Pense novamente em uma calçada e sinta-veja o movimento da multidão. Note que há mais de uma velocidade, mais de uma horizontalidade, mais de uma verticalidade. Sintonize na complexidade da coreografia do movimento relacional e perceba que os corpos não estão se organizando cognitivamente, numa espécie de movimento consensual, mas que, de fato, intervalos se abrem continuamente para que haja a continuidade de movimento. Estes intervalos não são criados do nada: eles são criados pela complexidade do movimento que já está em curso. O movimento, na forma de intervalos, cria o potencial para mover-com. É com estes intervalos que o movimento-multidão move-se. Um buraco aqui, um desvio ali, uma volta, uma sintonia, uma guinada, um passo elástico. Não eu me movendo em um buraco, mas o buraco movendo o movimento relacional ao qual eu me conecto. Uma dança de intervalos para o corpamento coletivo em movimento – individuação coletiva, Simondon talvez diria. "O Movimento inicia no Intervalo (…), mas o Intervalo já está ali, enquanto poder virtual, em todos os movimentos do corpo" (GIL, 2001).
O intervalo é um equilíbrio perpétuo do mais-que, infinidade do entre, 2+i. Fora da ordem, no devir. O intervalo é um campo ativo, uma multiplicidade do potencial de movimento na qual o corpo sintoniza. É aqui que a dança do movimento total ocorre, não simplesmente os membros da dançarina, sua carne, seus músculos. O intervalo povoa seus movimentos de tal forma que há uma recalibragem continua do movimento relacional. É através deste movimento relacional que corpares tomam forma, e, ali, no “onde” que um corpo nunca alcançará exatamente, é que o movimento supera aquele que move. O intervalo, com-corpar, mas não enquanto um corpo pré-formado. Intervalo: um instrumento relacional para cocompor com a infinitude.
Equilíbrios múltiplos são ativos no intervalo relacional. O intervalo ingressa no acontecimento-movimento enquanto o dinamismo colore, afina o movimento, desse ou daquele jeito. O intervalo captura a força do potencial de retransmissão do movimento em forma (e no excesso da forma), trazendo o corpar em calibragens singulares.
Esta calibragem no corpar nos lembra que não há nem começo nem fim para o movimento. O movimento total está sempre trabalhando nas sintonias através da qual este ou aquele deslocamento se desdobra. Um corpo é um movimento fora do equilíbrio.
Além da Gestalt
O campo virtual do movimento é o plano da imanência. Sua tensão ou intensidade se iguala a zero; mas nele estão engendradas as mais fortes intensidades. Nele o pensamento e o corpo se dissolvem um no outro (‘pensamento’ e ‘corpo’ enquanto dados empíricos); é o campo da heterogêneses do movimento dançado (GIL, 2001).
Um corpo nunca é menos do que o mundo que o cocompõe. Ele aparece, talvez, num tipo de Gestalt, mas sempre excede a soma de suas partes. Um corpo é sempre infinitamente mais que um.
A Gestalt é o mais próximo que Merleau-Ponty chega na definição de um corpo enquanto um campo de relações. "Meu corpo é uma Gestalt e está copresente em cada Gestalt" (1968: 207). Entretanto a questão, aqui e em qualquer outro momento, é se Merleau-Ponty está disposto a conceber a experiência nela mesmo, através de um corpar que não é polido ou prescrito através de uma noção de consciência que requer um conceito de intencionalidade a priori. Será que a Gestalt é capaz, enquanto um conceito para o corpar, de criar uma diferença absoluta, no sentido Deleuziano, uma diferença que refuta analogia, aparência, identidade ou oposição, “uma heterogeneidade entre chão e aterramento, entre condição e condicionado?” (LAWLOR,1998, p16).
O corpo em movimento nunca é um sujeito em si mesmo. É infinitamente mais-que, até mesmo a força da forma que pode tomar. Merleau-Ponty parece sentir isso: "Demonstrar que como a Gestalt surge a partir de um polimorfismo, isso nos situa completamente fora da filosofia do sujeito e objeto” (1968, p.207). Uma consciência cognitiva nunca será a ferramenta para demonstrar isso. O corpo nunca poderia estar cognitivamente consciente e movendo-se como se fosse um – por isso Gil trabalha sobre a noção de uma consciência-com (um pensamento em movimento) a não uma consciência-sobre.
Lawlor escreve:
O desafio dos estados de imanência afirma que não há uma ontologia de dois mundos; isso dito de apenas um modo, a essência não se encontra fora da aparência; resumidamente, o desafio da imanência elimina a transcendência: Deus está morto (1998, p.15).
A crítica deleuziana à fenomenologia é que ela não consegue pensar a imanência.
Comece com Descartes, e então com Kant e Husserl, o cogito torna possível tratar o plano da imanência como um campo da consciência. Imanência é supostamente imanente a uma consciência pura, a um sujeito pensante (…) A transcendência entra tão logo o movimento do infinito para (Deleuze and Guattari 1994, p.46-7).
É necessário um conceito forte de imanência para entender o movimento total. Gil escreve: "A dança dá a si mesma diretamente, na própria ação de dançar, o seu próprio plano da imanência. Dançar é fluir na imanência.(GIL, 2001) Imanência abre aqui uma possibilidade de pensar um corp[1] ar que não retorna a uma consciência-de, que não cai na transcendência. Fluir em imanência, na dança, é oscilar continuamente entre o finito e o infinito- infinito. Em um vocabulário whiteheadiano, o plano da imanência poderia ser concebido como o nexo de ocasiões atuais – um campo virtual que contribui para a experiência do fazer, mas que nunca poderia ser conhecido como tal. Este é também o campo dos objetos eternos – nunca sentidos, é claro, exceto na qualidade de sua ingressão no atual. Não há conhecimento do nexus enquanto tal: ele não é diretamente sentido, exceto, talvez, no alumbramento. O nexus é sempre e apenas contribuinte. É o potencial de contribuição que torna a atualidade tão rica e complexa.
Como esta qualidade contributiva se torna actual? Esta é uma questão técnica. Cada ocasião actual delimita o campo potencial. Esta limitação ocorre através de processos ativos de subtração. Cada subtração é uma questão de técnica. O no-ato de uma variante até uma forma de um objeto é uma técnica para a visão (útil para dirigir). E o no-ato de uma outra variação para a força do mesmo "objeto" é também uma técnica para ver (útil para a pintura). Entretanto, não importa o quanto a subtração a contorça, ela sempre terá produzido uma singularidade: apenas isso, ou aquilo. Um movimento que sintoniza para um sapateado terá se aterrado apenas deste modo, e terá se verticalizado apenas deste modo, incorporando uma técnica, talvez, de aterramento, de sonoridade, de queda.
O movimento é a força vibracional que cria uma transmissão entre planos, entre campos virtuais e atuais. É um dos modos através do qual o imanente pode ser sentido. O que está no-ato, no movimento, sempre carrega a semente do virtual – dança a imanência. Mas isso não se dá num sentido fenomenológico. Isso ocorre através do excesso do que é sensório-motor, no campo de forças, de sensações amodais e sintonias de afeto que excedem qualquer ponto de partida pressuposto, sejam eles um sujeito, um objeto ou uma consciência-de. O movimento transporta o actual num quase-caos de seu mais-que, sempre excedendo a localização simplificada, tocando o excesso de atualização com um corpar que nunca pode ser exatamente contido. “De fato, o plano do movimento constrói a imanência transformando todo o sentido consciente (expressivo, representational, etc) num movimento que emerge na superfície dos corpos; e eles mudam o sentido inconsciente num movimento virtual de comunicação e osmose entre inconsciências – deveríamos falar aqui de inconsciências do corpo. (GIL, 2001)
Inconsciências do corpo atravessam, movem, criam atenções no corpar que desenvolve-se em forças tomando forma que, por sua vez, se expandem em equilíbrio do corpar. Inconsciência não como um fora do saber, ou fora do pensamento-sentido, mas como a ressonância de afetos do mais-que deste ou daquele corpar.
Não é mais possível distinguir claramente entre um corpo e seus movimentos. O campo virtual do movimento é palpável em todos os lugares – e agora nos alumbramos com a dança nos dançando.
Alumbramento
A filosofia inicia-se no alumbramento . E, finalmente, quando o pensamento filosófico fez o seu melhor, o alumbramento permanece.
— Alfred North Whitehead.
— Erin Manning
tradução Bianca Scliar Cabral
*
*
Notas [1] Sobre a bifurcação da natureza Whitehead escreve: “ Estou protestando essencialmente contra a bifurcação da natureza em dois sistemas de realidade, que são, ao passo que são reais, de fato reais em sentidos distintos. Uma realidade seria a das entidades tais como elétrons que são o objeto de estudo da física especulativa. Esta seria a realidade que se apresenta ao conhecimento; apesar de que ela nunca será sabida conhecida nesta teoria. Pois o que se conhece é o outro tipo de realidade, que é a dos jogos da mente. Entretanto, haveria duas natureza, uma sendo a conjuntura e a outra o sonho. Isso leva à bifurcação da natureza em duas divisões, a apreendida na consciência e a natureza que é a causa da consciência. (…)A natureza causal é a influência sobre a mente que é a causa da afluência da natureza aparente da mente. [...] A teoria da bifurcação é uma tentativa de exibir a ciência natural como campo de investigação da causa dos fatores do conhecimento. [...] Toda a noção baseia-se parcialmente na suposição implícita de que a mente só pode conhecer aquilo que ela mesma produziu e retém em algum sentido dentro de si mesma, embora exija uma razão exterior tanto para originar quanto para determinar o caráter de sua atividade. [...] Ao considerarmos o conhecimento, devemos eliminar todas essas metáforas espaciais, como "dentro da mente" e "sem a mente" [...] (1920: 30-32).
[2] Esse escrito pode ser acessado tanto nos cursos de Merleau-Ponty's courses sobre a natureza (1956-1958), quanto em suas anotações sobre o Visível e o Invisível, que foi deixado inconcluso. [3] Maurice Merleau-Ponty The Visible and the Invisible trans. Alphonso Lingis (Evanston: Northwestern University Press, 1968). p. 200 [4] NT: in-act é o termo utilizado por Manning ao longo do texto, jogo que aproxima o gesto, a performatividade, a atuação e também ao inato, qualidade intrínseca anterior em sonoridade (in act, enact, inact). Optei por traduzir por no-ato, com a ressalva de mantermos tais sentidos na leitura. [5] NT: in-forming é outro neologismo recorrente, aludindo simultaneamente à formação emergente e à informação ajustada pelas aparências tomando forma (em-formação e informação). [6] NT: utilizo a grafia ocasião actual para referir-me ao termo cunhado por Whitehead, referindo-me diretamente ao âmbito complementar do virtual e não ao imediato instante ao qual ‘atual’ aludiria. [7] NT: No texto original a autora cita apenas o trabalho de José Gil, mas não faz referência às páginas. Assim, foram mantidas as citações tais como no original, salvo quando indicado. Jose Gil. Le mouvement total. Unpublished. Ver texto original em português: Movimento Total: O Corpo e a Dança. Lisbon: Relogio d’Agua, 2001. [8] Para mais sobre o movimento total ver Erin Manning, Always More Than One: Individuation’s Dance. Durham: Duke UP, 2013. [9] Maxine Sheets-Johnstone. “Thinking in Movement” in The Journal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 39, No. 4 (Verão, 1981), p. 403, tradução de Bianca Scliar. [10] NT: A autora utiliza o termo bodying (aqui to create a bodying) ao longo do texto. Como é característico dos conceitos que inventa, Manning transforma o substantivo corpo em processo. Optamos por utilizar "corpar" para desobjetificar a noção de corpo, mantendo o movimento e o fluxo como ação central ao argumento. [11] NT: Aqui há um trocadilho com wonder-full, aludindo a um acontecimento repleto de alumbramento. [12] NT: tendencies-to-form no original. [13] NT: Há um jogo na terminologia proposta por Whitehead, que troca o termo Subject (sujeito) pelo Superject, aludindo ao fluxo como algo à cima da ordenação de subjetivi