Tomar a terra, Habitantes da ZAD, Notre-Dame-des-Landes
Para uma apresentação deste livro, é necessário, antecipadamente, recorrer ao contexto de sua origem. Primeiro, quanto a ZAD: termo que sintetiza a expressão "Zona a ser defendida", em alusão a sigla em inglês TAZ, "Zona autônoma temporária", criado pelo escritor Hakim Bey (pseudônimo de Peter Lamborn Wilson). Segundo, quanto a localidade de Notre-Dame-des-Landes: em Nantes (França), um terreno agrícola de 1.650 hectares que se tornou conhecido no início dos anos 2010 por conta de um conjunto de pessoas o terem ocupado a fim de barrar a contrução de um aeroporto no local. Desde a década de 1960 havia planos governamentais e privados para construir um aeroporto em Notre-Dame-des-Landes, mas agricultores e ambientalistas locais se opuseram e se tornram posseiros, ocupantes "ilegais" do terreno". Durante décadas houve resistência aos planos de construção do aeroporto. Em 2000, parte da terra foi ocupada quando seus agricultores foram despejados. Os novos ocupantes criaram estruturas autônomas e autossuficientes. As tentativas de despejo foram mal sucedidas em 2012 e 2018. Em janeiro de 2018, o então presidente da França, Emmanuel Macron, informou que os planos de construção do aeroporto seriam arquivados. Então, um proceso de "legalização", institucionalização, de projetos internos a ZAD de Notre-Dame-des-Landes foi empurrado pelo governo. Assim, nasce este livro, uma resposta de uma história longa de luta pela terra! Agora, uma apresentação nas palavras de seus anônimos autores:"Nós somos pessoas que escolheram ficar para viver no bocage (um espaço em que se conjugam bosques e pastos, floresta e cultivo) de Notre-Dame-des-Landes (França) depois de anos de batalhas e de ocupação. Se nós estamos para sempre enraizados aqui, é porque nós fomos possuídos por essa luta. Nós não imaginávamos nem por um segundo abandonar aqueles e aquelas que nos chamaram para viver aqui. Porque nós continuamos a atravessar uma experiência fundamentalmente comunista nessas terras prometidas do movimento.
A dinâmica da revolta: sobre insurreições passadas e outras por vir, Eric Hazan
Em 2015 Eric Hazan publicou este livro, um texto que se atém ao despontar das revoltas. Trata-se de um verdadeiro amálgama de histórias reais em que se revela o olhar cirúrgico do autor arquivista que se atira em detalhes; sua mirada cartográfica, que busca localizar as revoltas urbanas; e seu olhar de editor, já que o livro é um verdadeira compilação de histórias insurrecionais praticamente desconhecidas, citando diversos textos editados ou reeditados pela La Fabrique, sua editora. Como é comum de sua obra, Hazan evita toda grande síntese, preferindo as conexões tênues. O livro possui uma natureza compósita, que se almeja uma forma aberta, em que prevalece a colagem. É um livro de história? Sim e não. Sim, porque abrange cerca de 220 anos de motins, levantes, insurreições e revoluções, desde a tomada da Bastilha até a queda de Ben Ali e Mubarak, passando por junho de 1848, a Comuna de Paris, as Revoluções Russas de 1905 e 1917, assim como as da Alemanha, China, Espanha, Cuba, do município de Xangai, da insurreição zapatista, etc. Não, porque não encontramos neste livro as habituais descrições "objetivas", nem as considerações morais que comumente os acompanham. O objetivo de Hazan é claramente político: identificar na história da revolução o que pode ser usado para superar o pessimismo prevalecente e pensar com intensidade sobre a ação por vir. Veremos que as maiores insurreições partem da ira do povo e não do borbulhar de ideias políticas; que depois da vitória o caos, sempre brandido como uma ameaça, nunca surge; que um equilíbrio de poderes desfavorável pode ser revertido um dia; que os episódios mais famosos são frequentemente construções lendárias. Este livro nos compromete a não mais ler esta "história" com os olhos dos eternamente derrotados, a não mais ver nela um repertório de catástrofes, mas uma fonte viva de lições e exemplos. A formação de forças revolucionárias requer a reapropriação de nosso passado.