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 CONTEÚDO 

SUPLEMENTO ANTICAPITALISTA DE UM PROFESSOR EM QUARENTENA (2ª sem.) - Fábio Moura

Atualizado: 9 de jul. de 2020

Legenda: "nosso" pequeno jardim da saúde.


O professor de filosofia Fábio José Porfírio Moura publica todo santo dia, desde quando iniciou sua quarentena em 18 de março, em seu perfil do facebook, reflexões ácidas sobre os acontecimentos da burocracia estatal capitalista brasileira e, ao mesmo tempo, mensagens críticas e esperançosas à população desassistida. Não se encontrará aqui um diário comum do cotidiano de um sujeito que até pouco ministrava aulas filosóficas a adolescentes e trabalhava na terra junto de sua família mas agora está enclausurado. Pelo contrário, é esclarecedor que, ao ler suas longas linhas, o momento lhe faz indagar profundamente tanto sua espiritualidade cristã como o comum senso negativo ao Estado, ao Kapital e à nova ordem estabelecida pela crise pandêmica. Como estamos atrasados, nos próximos dias publicaremos as três primeiras semanas de suas divagações, e posteriormente elas serão publicadas semanalmente.


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8° dia de quarentena Rio Pomba, 25 de março


Minha intensão ao compartilhar com vocês minhas reflexões neste momento de medo e apreensão, desde o início, foi de oferecer ideias que pudessem ocupar esses dias com mais criatividade e afeto familiar. Mas como disse essa semana o professor Fernando Haddad, "é duro ter de lidar com um vírus e um verme, simultaneamente".


O pronunciamento desastroso daquele que pensa ser o soberano do Brasil, na noite de ontem, vai na contramão de todo e qualquer esforço de milhões de pessoas ao redor do mundo, além de, mais uma vez, contrariar todas as evidências científicas.


Não são apenas cientistas e profissionais da saúde que estão trabalhando neste momento contra a Covid-19. Pequenos comércios estão fazendo entregas à domicílio de produtos essenciais, empresas de telefonia e internet estão disponibilizando canais e maior velocidade em seus serviços, muita gente liberando a senha de Wi-Fi para os vizinhos, artistas estão fazendo shows diários pelas redes sociais, professores oferecendo aulas de reforço, voluntariamente, para acalmar e aproximar, mas sobretudo, manter cada um em sua casa. É nessa corrente de solidariedade que eu queria estar engajado, mas não tenho sangue de barata e, assim como todos os brasileiros, minha paz foi desestabilizada por esse inútil e perigoso tirano. Por isso, hoje dedicarei meu esforço intelectual para esculacha-lo.


Mais uma vez, esse elemento nocivo que nos desgoverna, investe na polarização social colocando uns contra os outros por pura e sádica diversão. Seu sarcasmo transmitido em rede nacional, acusando a mídia de provocar histeria coletiva, acabou por gerar mais pânico e desespero na população, além de disputas de familiares confinados no mesmo ambiente. Sua atitude narcísica de procurar em todos os lugares algum inimigo para atacar, ofender, difamar, num momento em que o mundo todo clama por união e solidariedade contra um inimigo comum e invisível, só demonstra o que todos nós já sabíamos dele: é um genocida.

De um homem que sempre deixou claro seu fetiche por torturas e execuções, que teve como símbolo de campanha o gesto de fazer arminha com a mão, não se poderia esperar outra coisa e, diante de uma pandemia mortal, demonstra que para ele não importa quem morra, desde que sejam muitos, mesmo que sejam seus apoiadores. Deve estar se sentindo com sorte, cheio de fortuna maquiavélica, como quem ganhasse na loteria das execuções em massa. Se suas ordens fossem acatadas, ele não precisaria dar um disparo contra ninguém e seu principal objetivo estaria cumprido.


Um vírus sem viés ideológico, que mata ricos e pobres, brancos, negros, índios e asiáticos, homens e mulheres, héteros e homossexuais, comunistas e fascistas, ateus e religiosos e que, este sociopata chama de uma simples gripezinha, mostra que ele não fará nada para proteger o nosso povo, colocando em risco todo o continente americano, pois o vírus não tem passaporte e nem respeita fronteiras.


Todo mundo que votou neste verme sabia que ele queria matar pessoas, muitos votaram nele justamente por isso. Pensou o retardado (o presidente não é retardado, retardado é quem votou nele) que os tiros disparados não seria contra ele. Não contava com um vírus, agora se esconde debaixo da cama para não admitir que está arrependido. Não foi falta de aviso. Eu avisei.


Alguns destes eleitores, por fé cega ou mau-caratismo mesmo, continuam defendendo o “mito”. Espero que estas pessoas sobrevivam à catástrofe, não quero que ninguém morra, só quero mesmo que percam tudo, dinheiro, empresa, casa, carro, família. Coisas que se recuperam. Quero ver como eles sobrevivem tendo de sofrer as mesmas humilhações que têm praticado com seus empregados.


Felizmente ninguém obedecerá esse energúmeno. Nem governadores, nem prefeitos e muito menos a população. Ele já não governa mais, seu mandato acabou na noite de ontem. Será humilhado, ficará putinho, dará chiliques, mas não será obedecido. Se o vírus for contido será mérito de outros poderes. Se não, será dele toda a culpa. Não vou me estender senão só publicarei amanhã esse texto. Mas antes de terminar queria dar um conselho a classe trabalhadora:

Fiquem em casa. Se o patrão ligar assediando com ameaça de demissão, lembre-se que não será novidade ser demitido. Quem vive do próprio esforço e carrega essa maldita economia nas costas está acostumado com as crises e os desempregos, não há nada de novo que os patrões possam oferecer.

Preserve sua vida e mande o patrão à merda. Siga o exemplo do seu prefeito e governador e desobedeça quem quer te ver morto. Entre os pobres há solidariedade e muito jogo de cintura, a gente se vira, se ajuda e ninguém precisa morrer para isso.

Fiquem em paz, dentro de suas casas e que Deus nos proteja desta Besta mais perigosa que este vírus.


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9° dia de quarentena Rio Pomba, 26 de março


Se você nunca ficou desempregado, se nunca precisou de ajuda dos parentes, nunca recebeu uma cesta básica da igreja, nunca pediu o que comer para um vizinho, se nunca foi humilhado por usar roupa usada por outras pessoas ou morar em uma casa humilde, então você é um privilegiado sim e, nesse caso, deve achar que a economia é mais importante que a saúde pública.


Quando o governo diz que temos de nos esforçar e sacrificar nossas vidas para manter ou salvar a economia, não é da economia doméstica que ele está falando, mas da grande economia, do grande Capital. Salvar empresas significa salvar a grande empresa. Foi para salvar o patrimônio desta gente rica que foi proposto e aprovado a reforma da previdência e a reforma trabalhista. Sacrifica-se a classe trabalhadora para beneficiar os ricos. E a classe-média não é rica, tá?


No começo do ano, por exemplo, uma cervejaria mineira foi fechada e demonizada publicamente depois que uma contaminação tirou a vida do primeira vítima. Tem de fechar mesmo. Entretanto, a Vale, que no ano passado soterrou e matou 270 pessoas em seu segundo desastre ambiental, continua funcionando e suas ações até se valorizaram depois da tragédia. É essa empresa que o governo quer salvar, não o mercadinho da esquina. Enquanto nenhuma política pública é proposta para manter salários e pequenos estabelecimentos temporariamente fechados sem grandes prejuízos, o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, libera 1,3 trilhão de Reais para salvar os bancos. Você sabia?


A medida foi assinada para que os bancos possam liberar empréstimos a empresas e pessoas físicas enquanto o isolamento for necessário. Vou ser didático para que todos possam entender. O governo empresta a juros baixos o nosso dinheiro, porque é dinheiro público, fruto dos nossos impostos, para que milionários emprestem para nós o nosso próprio dinheiro e depois lucrem com os juros abusivos de um dinheiro que nunca foi deles. É o governo salvando a economia.


Salva-se os grandes endividando os médios e pequenos, quando o BNDES deveria injetar esse dinheiro na economia de base, nas pequenas empresas garantindo a empregabilidade de quem mais gera emprego e a estabilidade de seu povo.


O isolamento é necessário não porque todos que sairão às ruas irão morrer. É um pacto social, algo fora de moda para as elites individualistas. A razão do isolamento não é evitar que contraiamos o vírus, um dia todos irão contrair, ele veio para ficar. O isolamento é necessário devido a velocidade com que o vírus se prolifera. Se sairmos para a rua porque a economia não pode parar, teremos um pico de infectados e, mesmo quem tem muito dinheiro, não poderá ser atendido porque não haverá leitos e nem médicos suficientes para todos.


Essa grande economia não quebra e nem quebrará. Enquanto a classe média se desespera vendo toda sua ilusão de prosperidade se dissolver no ralo de sua própria ignorância, os ricos de verdade aproveitam o despencar das bolsas de valores para comprar ações à preço de banana e ficarem mais ricos ainda quando essa crise passar. Estão rindo de nossa cara.


Já a classe menos favorecida, daqueles que sobrevivem a custa do próprio esforço, a quem foi subtraído todos os direitos, essa não tem o que perder, exceto a vida. É com esses que tenho falado, porque sou deles, sou da quebrado, nasci na favela e, embora eu tenha saído de lá, ela nunca saiu de dentro de mim.


Nossa gente não tem porque atender os caprichos do mercado. Passamos por tantas crises econômicas e sobrevivemos, por quê agora cederíamos à chantagem? Para ganhar um salário de merda que mal dará para comprar o caixão do parente que vamos contaminar?


Talvez seja essa a hora de os humilhados serem exaltados. O pobre se vira, da um jeito, perde o emprego e no outro dia sai vendendo coxinha ou sorvete na rua. Um salva o outro na favela, sem perceber talvez, mas salva. Estamos também acostumados com mortes em massa, nossa juventude vem sendo exterminada há anos pelas forças do Estado que agora pede nosso socorro.


A quebrada sabe que ninguém irá salvá-la. Não é a favela que bate panela. Por isso a favela tem de ficar em casa, proteger sua saúde, a vida da comunidade, ajudar uns aos outros neste momento de crise, assistir pela TV o desmoronar da economia que a escraviza e pensar sua própria condição social.


Bolar um jeito, galera, de juntos, depois que essa pandemia passar, não deixar voltar jamais aquela normalidade, que de normal não tinha nada. Que morra a burguesia com esse vírus e que chegue logo a nossa vez.


Fiquem em paz que em breve venceremos mais essa.


Legenda: tire a barba!

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10° dia de quarentena Rio Pomba, 27 de março


Como utópico sonhador que sou, tenho me esforçado nos últimos anos em pensar outras formas de relações humanas que possam tornar nossas vidas mais solidárias, afetuosas e em sintonia com a Natureza. Um mundo que priorize a vida coletiva e de seres submissos apenas às leis naturais, essas sim, irrefutáveis. Esse momento de recolhimento forçoso me parece oportuno para avançarmos nessa construção, ou desconstrução de nossos erros recentes.


Embora estejamos todos isolados, cada um em sua casa, estamos fazendo isso por uma razão coletiva e solidária de protegermos uns aos outros. Esse isolamento nos revela ainda o quão inseguro e perigoso é nos iludirmos do contrário, de que é cada um com seus problemas, que temos de competir com nosso próximo e que, só somos bem sucedidos em comparação ao fracasso de nosso semelhante.


Acredito que somos capazes de construirmos um mundo mais generoso, de fartura, abundância e paz para todos e que, este momento de confinamento pode ser, ao menos, um ensaio para a transição dessa realidade almejada por tantos. No mundo que vivemos, cada indivíduo é tratado como uma mercadoria, todos somos julgados pela quantidade de dinheiro que temos no bolso e o título que ostentamos na testa. O vírus tem nos mostrado outra perspectiva de realidade.


Olhamos nesses dias para o gari com o respeito que sempre mereceram, mas nunca receberam. Com as ruas vazias, sua invisibilidade desaparece e percebemos que dependemos mais deles do que dos nossos governantes. Reconhecemos sua real importância, o descaso que sempre tivemos e os homenageamos com aplausos e cartas de agradecimento.


É realmente muito nobre que façamos isso, mas insuficiente se o objetivo é reconhecer sua importância social e se queremos de fato um mundo mais justo para todos. É necessário também reduzir nosso consumo e, consequentemente, o lixo que produzimos.


Temos tempo sobrando para pensarmos o que cada um pode fazer nesse sentido. Trocar sacos plásticas por sacolas permanentes, trocar refrigerantes cancerígenos por sucos naturais, cozinhar em casa e fazer uma compostagem com os resíduos orgânicos. Garrafas pet viram lindos vasos e restos orgânicos de alimento, terra saudável para nossas plantas. Nada disso é lixo. Diminuir o trabalho do gari é a melhor homenagem que podemos prestar-lhes.


Há muitos tutoriais na internet que podem auxiliar nessa tarefa. Basta pesquisar por #permacultura ou #agroecologia e um mundo de ideias revolucionárias aparecerão. Casas de agropecuária estão funcionando, porque são serviços essenciais. Podemos comprar sementes e começar a produzir nosso próprio alimento. Com comida saudável estaremos ajudando inclusive os profissionais da saúde, que também são reconhecidos como fundamentais nesses dias, evitando enfermidades e aliviando também seu trabalho.


O benefício será nosso também. Cuidar das plantas, seja no quintal ou em vasos, servirá de terapia nesses dias difíceis e é um hábito tão saudável que, uma vez começado, levamos por toda a vida. Gera bem-estar, saúde e economia para o bolso.


Cuidar do quintal de nossa casa e do ambiente que vivemos é também pensar no próximo, eliminando o risco de proliferação de outras doenças, que também sobrecarregam os hospitais.


A Natureza nos impõe o recolhimento, demonstra que é soberana, que não temos poder algum sobre Ela. Enquanto nos confinamos em nossas casas, a Natureza se cura do mal que Lhe fizemos, o ar se purifica, os animais se libertam e os rios se recuperam. Nós somos a ameaça e devemos conter-nos. A Natureza em sua infinita sabedoria quer nos poupar, nos dando a oportunidade de pensar o sentido das nossas vidas. Nos concede tempo para isso e nos dá esperança de um mundo mais fraterno, se quisermos.


Fiquemos em casa isolados, porém, em união, num só coletivo por um mundo melhor. Que possamos superar o conceito equivocado de humano e possamos assumir que somos apenas terráqueos, filhos da Mãe Terra, como os demais seres. Que cuidemos uns dos outros nessa hora e que essa atitude continue assim para sempre. Se fizermos a nossa parte, a Natureza nos recompensará abundantemente.

Fiquem em paz, esse tempo passará e logo nos abraçaremos.


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11° dia de quarentena Rio Pomba, 28 de março


Estou cansado. Física, emocional e psicologicamente cansado. Esses primeiros dias de um confinamento sem previsão de término, foram para mim dias de extremo esforço mental e enormes preocupações pessoais. Manter seis pessoas dentro da mesma residência, pessoas com vida social, trabalho e estudo, que acontecem do lado de fora de casa, atividades suspensas nesses dias de enorme ameaça às nossas vidas, tem sugado muito de minha energia.


Vontade que eu tive ontem de sair para a rua e tomar uma cerveja gelada no bar. O noticiário da noite me informa que manifestações ocorreram em diversas cidades brasileiras pedindo a reabertura do comércio. Meu Deus! O que aconteceu com o povo brasileiro? Como nos tornamos tão estúpidos e irresponsáveis? Eu lembro, não éramos assim. Será obsessão espiritual? Um demônio que se apossou de nossas almas e agora nos conduz para o inferno?


É tanto esforço que fazemos para manter nossa família protegida dentro de casa, para mantermos a ameaça longe de nossos portões e, de repente, todo esse esforço se torna inútil com a mesquinharia de fanáticos obcecados por um "mito", um falso "messias" que mais parece o Anticristo.


Aqui em casa está difícil controlar a ansiedade e estresse uns dos outros. Estamos trabalhando muito. Minha companheira tem contado histórias pela internet para alegrar crianças confinadas e isso tem mantido muito seu equilíbrio. Tem salvado sua vida. O Paulo está aprendendo costura e praticando violão, assim como a Teresa tem praticado seu violino. Acalma-nos ouvi-los tocarem. Sophia está aprendendo fotografia e direção ajudando a mãe em suas filmagens. Só a Rebeca, com dois anos e meio, está se divertindo com a família toda em casa fazendo todos os seus caprichos.


Eu mesmo, tenho escrito este diário para manter algum compromisso público que mantenha minha razão no lugar. Não posso parar, meu risco de agravar minha depressão é factual. É o trabalho que tem me feito vivo desde que enterrei meu filho mais velho há quase um ano. Não conheço outra terapia. Minha cabeça fervilha, não consigo ler como antes, por falta de concentração e nem filmes estou assistindo. Me ocupo do jardim, do galinheiro, tento ajudar contando piadas, mantendo a casa organizada.


Me preocupo também com tantos parentes e amigos que estão em São Paulo, principalmente, o epicentro do vírus no Brasil. Temo por suas vidas. Me preocupo com meus alunos, alguns parecem terem sido abduzidos, por não terem mais o Wi-Fi da praça para se conectar. Como será que estão suportando? Até voltei a rezar nesses últimos dias.


Está difícil para todo mundo e a tendência parece ser piorar. A falta de informação e confiança em quem realmente tem autoridade no assunto, pode levar o Brasil à maior tragédia de toda sua história. Se a Itália que é um ovo de codorna perto do Brasil já está fedendo a carniça, imagine um país continental como o nosso.


Não há nada que justifique nossa saída desnecessária de casa. Estamos sofrendo agora como sofre um dependente químico quando lhe é tirado sua droga. Abstinência do convívio, do trabalho, do dinheiro. Mas assim como a abstinência química desintoxica o organismo do dependente, esse isolamento momentâneo pode também nos desintoxicar de nosso egoísmo materialista.


Sejamos racionais e pratiquemos o bom senso. Vai demorar um tempo para voltarmos à rotina. Se obedecemos as orientações de médicos e cientistas, voltaremos sem maiores traumas. Seguir os passos e conselhos de políticos inconsequentes e empresários gananciosos, será um retorno terrível para quem sobreviver.


Sacrifício, ou sacro ofício, significa abrir mão hoje, de algo menos necessário, para se conquistar algo maior e melhor no futuro. Sacrifiquemo-nos hoje que o tempo voa e nosso futuro será como se fosse depois de amanhã.


Que tenhamos todos um sábado de paz e que o abraço de mais uma vitória não tarde a chegar.


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12° dia de quarentena Rio Pomba, 29 de março


Acordei com saudade do Lula, da Dilma do FHC e pensando como estaríamos se o Haddad, ou qualquer outro candidato, tivesse vencido a eleição. O simpático professor da USP, certamente, não nos mandaria de volta ao trabalho e já teria tomado todas as medidas para garantir nossa sobrevivência financeira e atendimento médico aos enfermos. Mas calma, gente. Não se entusiasmem nem se desesperem, não gastarei o tempo de vocês com textão para defender ou esculachar o PT ou PSDB, só quero refletir sobre onde foi que nós erramos. Eu tenho um palpite polêmico.


Acho que erramos em 2014 quando votamos na Dilma para evitar a eleição do Aécio. Mantenham a calma, por favor e acompanhem meu raciocínio antes de achar que estou louco ou chamando alguém para a briga. Em primeiro lugar, não teria havido o Golpe, a democracia teria sido respeitada e o cheirador de cocaína teria, ao menos, concluído seu mandato. Todas essas reformas do Temer e do falso Messias teriam sido aprovadas e talvez ele até fosse reeleito. Se seu governo fosse um desastre, talvez o PT voltasse ao poder com Lula ou mesmo com o Haddad.


Escrevo isso porque estive, na madrugada toda de insônia, refletindo sobre a história recente do Brasil, desde sua redemocratização. Em 1988 foi promulgada a constituição cidadã. Em 1989 foi eleito o engomadinho do Fernando Collor que renunciou após sofrer impeachment em 1992. Assumiu o vice, Itamar Franco que nomeou o sociólogo Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda. Este criou o Plano Real, gerando estabilidade econômica e, com isso, venceu a eleição presidencial.


Em seu primeiro mandato tudo que fez foi pressionar o congresso para aprovar a reeleição. Daí que surge a política de barganha, de troca de cargos por voto parlamentar. Cumprido seu primeiro objetivo e garantido mais quatro anos de mandato, FHC nomeia um economista como ministro da saúde, para espanto de todos. Um político hipocondríaco, com total apoio do presidente, no momento em que o mundo enfrentava um vírus muito mais poderoso e mortal do que esse de hoje, o HIV.


O careca com cara de alienígena comprou, na época, uma briga internacional contra laboratórios farmacêuticos e, com apoio de outros países, derrubou a lei de patentes e, assim criou a indústria brasileira de medicamentos genéricos. Graças a isso hoje temos distribuição gratuita de medicamentos pelo SUS. Na época, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a conter o avanço da Aids e garantir tratamento gratuito a todos os pacientes. Todos. O Brasil se tornou, assim, referência mundial no combate dessa epidemia.

Foi tão importante essa atitude que fez do ministro o candidato do governo à presidência da República, em 2002. Perdeu no segundo turno para o Lula, que era, na minha modesta opinião, a melhor escolha. Infelizmente, apesar de o PT ter proporcionado o melhor período de crescimento econômico do Brasil, o governo petista acabou desprezando as campanhas massivas de prevenção à saúde do antigo governo, o que fez, ao longo dos anos, crescer novamente o número de infectados com o HIV.


Como disse no começo, não quero defender o PT e muito menos o PSDB. Tenho críticas severas a essas duas correntes que não cabem neste texto. Só faço essa análise superficial da história política do Brasil para questionar o porque mesmo deste fascista genocida estar no poder. Qualquer outro candidato em 2018 que vencesse a eleição, estaria neste momento liderando o povo na direção de salvar vidas. Elegemos um asno egocêntrico e fanático que agora nos conduz direto à catástrofe.


A palavra de um presidente, em qualquer época ou lugar, independente de sua ideologia partidária, carrega consigo um enorme poder de convencimento nas massas. Amanhã uma multidão sairá às ruas, de volta aos seus miseráveis empregos, por se sentirem "motivados" por um sujeito irresponsável e sádico, que terminará por espalhar esse vírus ainda mais rápido para todo o continente e promover um verdadeiro massacre coletivo.


Não há como voltar atrás e nem se arrepender agora. O mal já está feito e vai doer na consciência de quem apoiou essa estupidez quando a morte levar um dos seus. Mas é possível, à custa de muitos mortos, não deixar que este erro se repita.


A única saída neste momento seria a desobediência civil. Negar o chamado do presidente. Mas não somos organizados e nem esclarecidos o suficiente para isso, por isso temo que, nas próximas semanas, o caos se instale entre nós.


Seria muito bom se ficássemos todos dentro de nossas casas. Seria bom também que aprendêssemos, de uma vez por todas, que ignorância não é uma virtude e buscássemos estudar um pouco de história, filosofia e sociologia nesses dias.


Se inteirar dos acontecimentos políticos e refletir, também, como nosso desinteresse por política tem nos feito eternos reféns de canalhas. Entender, quem sabe, que toda e qualquer decisão política afeta diretamente nossas vidas. E que nós somos diretamente responsáveis por quem elegemos.


Que Deus nos proteja e ilumine as nossas mentes. Que tenhamos todos um domingo de paz e confinamento reflexivo e que, amanhã, tenhamos a coragem de resistir, ficando dentro de nossas casas. São nossas vidas que estão em jogo.


Legenda: XII Fórum Regional de Agroecologia de Rio Pomba - MG.


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13° dia de quarentena Rio Pomba, 30 de março


Hoje se completa o primeiro ano da maior dor que eu já senti e ainda sinto na vida. Uma dor insuportável, que me faz chorar todos os dias, que me cala, me sufoca e faz com que eu me arraste pela vida. Dizem que nenhuma dor pode ser mais forte do que a dor de perder um filho. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Vivemos dias terríveis com uma ameaça invisível que têm tirado milhares de vidas todos os dias.


Pais e mães estão perdendo seus filhos sem se quer ter o direito de enterrá-los, sem direito à velório, missa e, principalmente, consolo. Não consigo imaginar o que seja isso. Recebi e ainda recebo muito consolo por minha terrível perda aqui nas redes sociais, tanto afeto que nem pude agradecer à todos ainda. É bom, mas nada substitui o abraço.


Não fosse o carinho pessoal de minhas irmãs, sobrinhos e sobrinhas, primos e primas, cunhado e cunhada, tias e tios, sogra, além da minha esposa, filhos e amigos, alguns que há anos não via, não sei como suportaria tanta dor. O abraço é fundamental em nossas vidas, o contato, o olhar, o beijo, o cafuné. Fundamental todos os dias, mas imprescindível no luto. Impedidos disso, muitos morrerão também, não do vírus, mas de depressão e desgosto.


Sinto muita falta deste lindo anjo que iluminou minha vida, que desafiou minha paciência, me encheu de preocupação, me encantou com sua dança e tanto amor demonstrou pela vida. Sinto muito medo que essa história se repita. Sinto o peso de uma experiência que contraria a natureza e sinto a obrigação de sobreviver, mesmo estando além de minhas forças, porque tenho outros filhos que ainda precisam de mim.


A cada parágrafo deste capítulo, o soluço interrompe meu raciocínio e me força começar tudo de novo. Difícil tarefa de manter um compromisso com o peso desta amarga lembrança. Hoje pretendo manter-me em silêncio, meditando e orando pelo descanso de sua alma, pela saúde do planeta e pela proteção de nossas vidas.


Que Deus perdoe as nossas falhas, conceda-Nos o maná necessário para mantermo-nos em nossas casas seguros e, assim, Nos ajude à diminuir os impactos desta tragédia. Que, sobretudo, Ele de consolo e conforto à todos que sofrem à distância por seus mortos.


Fiquemos em casa, gente. Ninguém merece sofrer essas perdas desta forma e, nossa teimosia multiplicará aos milhões os que já choram.


Que Deus nos proteja e guie nossos passos para agirmos com maior sabedoria nesses dias tristes.


_ 14° dia de quarentena

Rio Pomba, 31 de março


No começo do mês de março escrevi aqui um desabafo sobre a dificuldade de escrever que eu adquirira desde a morte de meu filho. Publicar esse diário nessas duas semanas de confinamento, tem sido uma luta pessoal na tentativa de restaurar esse hábito que me acompanha há mais de 30 anos. Mas o bloqueio, ou autocensura, continua e, isso ficou claro para mim ao ler o texto que publiquei ontem. Difícil falar desta tragédia pessoal e da relação que tinha com meu filho antes disso acontecer. Vou tentar, então, colocar um pouco de ordem nessa minha bagunça mental e apresentar um resumo desta existência meteórica e intensa do Pedro neste mundo. Acho que devo isso a ele, a mim e alguns de vocês que não o conheceram e nem sabem ao certo do que ele morreu.


Dos cinco filhos que tenho (tenho também um filho de outro relacionamento que vive no interior de São Paulo com sua mãe), o Pedro sempre foi o mais parecido comigo. Não digo fisicamente, para a sorte deles, todos se parecem com as mães, falo de personalidade mesmo. Rebelde e decidido desde o berço, aprendeu a andar e falar com menos de um ano e, de modo muito impulsivo, foi ocupando todos os espaços que podia entrar. Antes dos 10 anos já tocava violão, encenava suas próprias peças teatrais e me acompanhava em muitos dos meus espetáculos como palhaço mirim.


Na adolescência se envolveu com dança e encontrou sua verdadeira vocação. Um artista incrível que se agigantava no palco. Teve uma carreira curta, mas intensa, alcançou um enorme sucesso conseguindo viver da própria arte, num pais que não dá valor à arte. Tinha a agenda sempre lotada.


Indignado com as injustiças da vida, peitava todos que pudessem ameaça-lo. Nos amávamos intensamente e, talvez, por termos gênios tão fortes e tão parecidos, era comum batermos de frente um com o outro. Fugiu de casa, ficou sem falar comigo diversas vezes, chorávamos eu de um lado, ele do outro, mas sempre voltávamos às pazes. Embora forte, meu filho nunca teve uma saúde de ferro. Tudo era intenso em sua vida, até na enfermidade. Foi internado várias vezes, fez cirurgia de apendicite ainda criança e, graças à dança, superou seus problemas respiratórios.


A última vez que estivemos juntos, no Natal de 2018, ele estava muito bem. Forte, bonito, vaidoso, com o corpo todo tatuado, cheio de projetos para o ano que víria e de revolta com o governo eleito. Quando voltou para São Paulo, uma crise de choro tomou conta de mim e passei algumas semanas bastante deprimido. Eu sentia que aquele tinha sido nosso último encontro, mas pensei que seria eu quem morreria.


Ele trabalhou até os últimos dias de vida, dando aula de dança em duas academias, fazendo shows e coreografias. Seu último espetáculo, "Vivo Entre Nós", em homenagem à Dom Bosco, estreou em janeiro do ano passado e, no começo de março, coreografou a comissão de frente da mesma escola de samba que eu desfilava na juventude.


Dias depois, começou a sentir fortes dores de cabeça, pediu ajuda de suas tias mais próximas e foi ao hospital. Foi internado para exames e o primeiro diagnóstico recomendou tratamento psiquiátrico, devido às alucinações que estava tendo. Recebeu alta e foi acolhido por minha irmã que se prontificou a cuidar dele até que sua mãe chegasse. Suas crises aumentaram e ele retornou ao hospital em estado muito grave. Só então, um neurologista pediu exames mais detalhados e o diagnosticou com meningite fúngica em estado muito avançado.


Devido sua rebeldia e força física, foi colocado em coma induzido no mesmo dia que sua mãe chegou para cuida-lo. Nunca mais acordou. Uma semana depois, já prevendo o pior, peguei meus dois filhos mais novos, que haviam ficado comigo em Minas, e partimos para Guaratinguetá, no interior de São Paulo. No sábado de manhã fui com minha companheira visita-lo no hospital, mas não cheguei à vê-lo com vida.


Parece que ele só esperou eu chegar e poder amparar sua mãe para que ele pudesse partir. Um fungo no cérebro tirou a vida de um jovem alegre, inteligente, honesto, trabalhador, sem vícios, com bons hábitos alimentares e uma rotina diária de exercícios físicos. Um atleta, de fato.


Minha filha mais velha, que morava em Fortaleza na época, não teve tempo de se despedir do irmão, seu melhor amigo. Devido à distância, ele não teve se quer tempo para conhecer sua sobrinha, nunca a pegou no colo. Depois disso, tudo mudou em nossas vidas. Minha filha nunca mais voltou para o Ceará, veio morar com a gente na roça, de onde tivemos de mudar para ajustar à nova rotina de trabalho que se impunha.


Minha netinha têm sido um santo remédio em nossas vidas. É ela quem cuida de mim e de sua avó, não o contrário. As brigas e desentendimentos de outrora nunca mais aconteceram. Decidimos ficar juntos, nos ajudar mutuamente, não deixar a revolta se instalar em nenhum de nós por uma tragédia que não podemos mudar. Embora a tristeza seja muito grande ainda, optamos pelo amor como processo de cura.


Não sei que vantagem eu posso tirar disso, que aprendizado pode vir de tanta tristeza, nem penso que Deus esteja querendo me ensinar algo. Difícil lidar com tudo isso, escrever, então! Mas sinto um pouco de alívio agora, com mais esse desabafo. Sua partida só reforça meu amor à vida e a necessidade de prestar bons serviços, seja na arte, na filosofia, dentro de casa ou na comunidade que vivo.


Essa pandemia, que nos mantém enclausurados dentro do lar, tem me feito pensar muito mais o cuidado com os outros do que lamber minhas próprias feridas. Escrever essas páginas tem me libertado um pouco da culpa, do remorso, da sensação de não ser uma boa pessoa. Agradeço o retorno que tenho tido de todos que têm acompanhado meu diário e reforço a apelo de ajudarmos uns aos outros, para que ninguém fique desamparado e que todos possam ficar dentro de suas casas.


Que a paz esteja com cada um de nós e que o dia do abraço não tarde a chegar.



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Fábio José Porfírio Moura nasceu na cidade de São Paulo no ano de 1972. Formou-se em filosofia pela Universidade Federal de São Paulo, EFLCH-UNIFESP, é professor efetivo do ensino médio na E.E. Professor José Borges de Morais, na cidade de Rio Pomba (MG) – onde mora com a família desde 2015. É artista plástico, diretor teatral, permacultor e escritor de diários desde 1990.

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