legenda: máquinas de guerra, mayra morales.
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O único jeito é uivar
Pa,
deixa te falar sobre o uivo.
Pa,
vou te falar grasnando e grunhindo.
Pa,
deixa te falar
penso ser importante saber de qual povo é você?
não como uma pessoa, uma personalidade, do outro jeito, não o categórico,
o jeito em que a vida se afina, dá seus jeitos.
sabe?
um exemplo.
oi. olá. você é daqueles que congela ou não o pão?
eu congelo, e você?
eu não congelo, muito prazer.
ainda podemos ser amigos, mas às vezes é bom tirar do caminho algumas diferenciações extremamente relevantes.
não para se esquivar, mas só porque também pode ser divertido. é como abrir uma porta.
como com as plantas. começa. você é qual planta?
do sol ou das sombras?
faz toda diferença saber essas coisas!
Pa,
uivar é chamar
Pa,
eu sei que está morto
valeu por visitar meus sonhos no meu aniversário todo ano desde que você se foi
‘data que vivo esquecendo’. melhor assim. quem gostaria de lembrar de uma data dessas?
hehe.
papai, nós somos do povo que uiva.
algumas vezes. na vida. tem estes momentos
em que algo marcante acontece.
ou talvez não. ou pelo menos uma sensação.
mas tem esses momentos
quando você perde a fala. caminhar é uma fantasia.
e então uivamos
haha.
um bebê caminha. [1]
você acha que bebês mosquitos usam fraldas? [2]
Pa,
obrigada por acompanhar minhas histórias
com todos seus silêncios e desvios com todos seus jeitos de dar o fora obrigada por sentar comigo, no meu ombro direito, hoje. é engraçado te ver em uma forma pequena desta vez. mas é de boa também.
lágrimas escorrem pelo meu rosto
de repente, me pergunto
o que está acontecendo? por que hoje me peguei escrevendo para você?
mas, veja, eu não estou escrevendo para você. estou escrevendo ao chamado de um colega. para o uivo dele. para uma isca.
para uma isca que me fisgou antes mesmo que ele dissesse do que se tratava
— porque nós já estamos em meio ao chamado.
o chamado já estava por aí, nós o podíamos sentir —
eu disse SIM antes do convite.
essas coisas acontecem, sabe?
Pa,
será que é porque você morreu por estes dias, alguns anos atrás?
é a marca no tempo que veio me visitar hoje?
será que mesmo que eu não me lembre de datas importantes
uma marca em ciclos se força através das camadas da vida?
e então ela chega quando quiser
como o verão, sabe? como o verão.
ele chega
mas ele não chegou de fato,
e ainda assim estava ali.
rá!
muito divertido.
Pa,
espero que meu ombro esteja confortável. deixa eu pegar uma cadeira pra você. você vai gostar dessa cadeira. rapidinho. vou pegar!
___________ breve descrição de ações ___________
(eu caminho até a estante, me debruço, me pego olhando pro nada
ao lado dos livros, vejo um anel roxo e penso: o que estou fazendo aqui?
eu fico assim um tempo, como se a posição do meu corpo, nessa interrupção do movimento, fosse me dizer algo. [3]
até que: ah! a cadeira! e o corpo se move em direção ao lugar onde a cadeira estava por último à mão. mas ela não está mais à mão).
___________ fim da descrição de ações ___________
oh. a cadeira viajou. eu pego emprestada outra hora e você vai ver. espero que você ainda esteja aqui quando eu pegá-la.
caso contrário, nós teremos uma desculpa para você aparecer alguma outra vez.
Pa,
eu conferi a data da sua morte na timeline do facebook da mamãe.
pois é, facebook, eu sei.
você morreu hoje seis anos atrás.
agora eu sei por que você veio me visitar hoje.
eu chorei a sua morte de novo. mas não estou triste. nem todos os chorares são tristes.
alguns chorares são somente o que verte das fissuras que reabrem de vez em quando.
Pa,
sabe?
é ok. fissurar e verter. [4]
Pa,
eu acho que verdadeiramente não gosto de serpentinas.
obrigada por nunca ter me dado uma,
obrigada pelo pente e pela escova que nunca aprendi a usar
obrigada pelas suas cores. elas eram maravilhosas.
Pa,
esta carta está se escrevendo.
tem sido a testemunha (palavra engraçada)
do meu jeito de esquecer datas
e, no entanto, do jeito como as marcas do tempo aí estão.
quanta alegria.
então Pa,
lembra que você me contava
como os europeus vieram?
e como teve um rolar de cabeças
para matar o gene de outros saberes
os saberes que sabiam do uivo?
os saberes que sabiam das outras formas do tempo?
os saberes que sabiam conversar com pássaros igual ao seu neto?
para eles, uivar era abjeto, inaceitável, não era do Deus deles.
para nós. uivar era divertido. era devir animal. era viver!
era abrir as fissuras e deixar a insurgência da vida atravessá-las
fazer sua passagem!
eu aprendi este ano que para os brancos, os “ditos índios”
não tinham alma, o que eles achavam que era o uivo?
conclusões engraçadas.
eu aprendi este ano que os “ditos índios”,
eles tinham questões sobre os brancos (ou pieles blancas, você costumava chamá-los).
eles são homens ou deuses? eles têm um corpo? eles são de outra natureza?
veja. ‘que tipo de animal era você?’ era a pergunta deles.
sem conclusões, mas experimentadores, investigadores, pesquisadores
do que, não fosse por isso, seria óbvio
você costumava rir da palavra “índio”, se lembra?
um erro de cálculo geográfico, você dizia. Ah!
Pa,
esta é a citação que te falei
é do autor Viveiros de Castro
referindo-se ao Lévi Strauss
estas voltas!....
“Nas Antilhas, alguns anos após o descobrimento da América,
enquanto espanhóis despachavam comissões de inquérito
para saber se os indígenas possuíam alma ou não, estes tratavam
de submergir prisioneiros brancos, para verificar,
com base numa longa e cuidadosa observação, se seus cadáveres
apodreciam ou não” (L-S apud: EVC, 2015: 35). [5]
Pa,
enquanto te escrevo
o vento está uivando hoje.
bonituuuuuuuhhhhhhhhhhhhhhhhhh
adoro as conversas do vento
me seduzem instantaneamente.
Pa,
você costumava apreciar muito me ouvir dizendo
todas as coisas que aprendi hoje, ontem, no outro dia
em troca, você costumava me dizer todos os seus pensamentos
sobre como no futuro a solução para a merda
seria colocá-la em cápsulas miudinhas que voariam para o espaço
haha! você era tão engraçado! ainda é!
Pa,
às vezes uivamos
nós uivamos. e como.
uivamos para os raios do sol nascerem
uivamos para um povo por vir?
uivamos para ‘que tipo de água é você’?
uivamos para assim nos despossuir
para assim conseguirmos alçar àquele lugar não-lugar
onde somos atravessadas
e então viramos o um povo
nós somos por vir. [6]
Pa,
minhas investigações do dia já deram frutos.
jogaram fora a pequena cadeira.
bem. algumas coisas precisam viajar.
como você.
uma cadeira de madeira pequena está vindo.
nós construiremos uma. acho que você irá gostar dela da próxima vez que vier.
garanto que terei tortillas e abacates e sal à mão.
derramar um pouco de sal e então dar um gole.
belo gesto.
seus olhos cresceriam
você se deixava levar por essas viagens
uma larga gargalhada viria depois disso.
Pa,
agora lembrei que você nem gostava de cadeiras, aliás
você preferia vagar
dar uma volta “como um tigre enjaulado” mamãe costumava dizer.
mas você estava sempre a vagar
porque você estava ávido por viver.
sempre quicando pra lá e pra cá.
nunca descansava os calcanhares
como um gato de verdade
sempre à deriva
sempre no movimento
sempre pronto para dançar
e se deixar ir com o vento
eu te vejo agora, parado sobre meu ombro, crescendo um bocadinho
me ensinando que não precisamos de cadeira para sorrir
obrigada
Pa,
eu amo que você sempre precisou tirar muitos cochilos.
‘onde o pa está?’ — ‘tirando mais um dos seus cochilos’
você costumava se deitar do nada e dizia AH!
como alguém diria AH! depois de beber um copo d´água com sede.
Pa,
eu guardo os cochilos para você
eu vivo cochilando
sempre amei os ritmos que te moviam
eram tão suaves e depois tão velozes, como se você nem os sentisse
‘onde o pa está?’ Ele saiu, só para te encontrar em seguida
diante da porta com uma sacola cheia de pães
o que era mesmo o que a gente falava: “tons”
o que são tons? “para los preguntones?” você respondia
“sem jamais mudar sua versão”
eu ainda gostaria de poder provar o sabor dos tons
seus ritmos ainda me acompanham
eles me ensinam tanto
eles abraçam as camadas do corpo que treme
os tremores que se atolam no “tempo imposto, horários, tempo linear”
eu pratico os ritmos de duração das marés. [7]

legenda: máquinas de guerra, mayra morales.
Pa,
já te falei da COVID?
me fez pensar muito nos seus ritmos
e no uivo
a forma que a gente vive o tempo agora é outra
mas não porque se tem pouco ou muito tempo
principalmente porque o tempo, como comentei antes, eu acho, não existe de verdade
quer dizer, sim. mas não no sentido de já estar aí.
tempo é uma co-confecção.
nós fazemos o tempo no caminho.
pois é, vive-se o tempo diferentemente agora. sabe?
porque agora não temos estruturas exteriores onde nos segurar e desde onde criar
deve-se inventar um novo confeccionar.
tem sido fabuloso! de verdade.
deixa te contar.
ainda está aí? crescendo sobre meu ombro?
estou quase acabando, Pa, já sei que está quicando pra lá e prá cá
pra sair para suas outras visitas do dia
muito embora, talvez, já as tenha feito algumas
talvez, mesmo, você faça mais de uma de uma só vez, aha!
Pa,
então, comecei a chamar esse novo tempo da vida
durações da maré
como o mar
o tempo faz ONDAS
vem em ondas
ondulado
janela temporal das durações
neste tempo novo
que é sempre outros tempos
três dias podem ser um longo dia
uma semana uma terça enorme
má me enviou uma mensagem outro dia
dizia algo assim:
“bom fim de semana”
“má, ainda é terça”
“não importa, é isso que o tempo da Covid faz, muda os dias!”
“tô chorando de rir, má”
“hahaha, sim, eu também, May! anedota da quarentena”
“fico feliz de saber que já está vivendo o tempo da maré,
significa que você está se cuidando bem!”
“hahaha, e já desejei bom fim de semana pra todo mundo!”
“claro! estamos todos assim estes dias”
“estou rindo tanto que sou capaz de fazer xixi nas calças”
“eu também”
Pa,
veja isto, é de uns autores que gosto de verdade,
acho que você irá gostar também.
“Harney sugere: … “penso que o chamado, na maneira como o entendo, o chamado, como numa série de pergunta e resposta, a resposta já está aí antes do chamado vir. Você já está em algo”. Você já está nisto. Para o Moten também, você está sempre em meio à coisa
que você chama e pela qual é chamado. “e quando somos chamados para este lugar outro, o fora indômito, ‘o fora do fora’, na terminologia de Moten e Harney, nós temos
que nos entregar a um certo tipo de loucura”. “Moten afirma … a única coisa
que temos a fazer é destroçar esta merda toda”. viu, o única jeito é uivar, rosnar, porque
“há um fora selvagem da estrutura que habitamos e que nos habita”. [8] um fora selvagem de durações da maré.
viu, isto é o chamado e isto é o uivar.
sabe, Pa,
às vezes eu adoraria vagar pela casa
sem camiseta
topless como alguns chamam
às vezes camisas são simplesmente desconfortáveis
me lembra de quando você nos dizia para nos secarmos lá fora
no sol
quando gritávamos para você nos passar nossas toalhas
"não precisa molhar uma toalha" você diria
"o sol está lá,
vão lá fora se secar, aprendam o que o sol pode fazer!"
obrigada por nos ensinar a descobrir
que nós podemos dançar e brincar nuas sob o sol
não. Laban, você não me ensinou isso no Monte Veritá.
Pa,
deixa te falar sobre a passagem para o verão aqui em Montreal
demora um pouco, sabe?
tem esses dois meses alongados
nos quais alguns dias todo mundo fica:
oh, oh, será a primavera? tá quase, tá quase.
acho que a primavera nunca chega de verdade aqui
talvez a primavera seja ela mesma essa longuidão
enfim, mas então, tem essa semana quando você começa a sentir
a mudança mais perto, como se um dia tivesse um cheiro de salgado e doce na brisa
e assim você sabe que o calor está vindo
mas você sabe que ainda precisa usar uma jaqueta porque pode e vai esfriar
então, este ano era dia 20 de maio. eu registrei isso. mas a data não importa tanto.
o engraçado
é que a mudança não é sentida por acumulação
ou como uma progressão gradual. não!
tudo vem como na sensação daquela manhã quando, de repente,
todas as coisas estão lá
a plena floração do verde
o ar agora brilha e não mais uuiivaa
as gotas de suor caindo no meu mustacho
as portas e janelas abertas
uma noite ou um dia inteiro sem jaqueta?
o riso constante das gaivotas
as visitas do gambá
tudo de uma vez
e lá vai você:
como tudo isso aconteceu em um dia?
por que não ontem ou no dia anterior?
e então você sabe, que os últimos meses
foram apenas um único longo longo longo dia!
viu, as durações das marés. [9]
Pa,
você se lembra da expressão: “me lo dijo un pajarito?” um passarinho me contou. meu filho conversa constantemente com passarinhos desde muito pequeno. ao grasnar, nos movemos com um saber sem necessariamente saber no senso comum de saber, um jeito de uivar subcomum.
Pa,
eu escrevi isso há algum tempo, não compartilhei com você antes.
aqui:
"quando você vem de uma geração não linear de um povo indígena que sofreu um massacre de decapitação para que as forças crentes na supremacia colhessem um benefício por causa da raça sem os traços de um pensamento capaz de falar com pássaros… um gesto de fazer cabeças rolarem 'com a ordem' de garantir que um DNA de qualquer pensamento diferencial no mundo não persistisse ou interferisse na 'ideia colonial de um pensamento que deve ser o único e exclusivo'. não tem como você deixar as coisas em paz, você escuta vozes no vento, você escuta vozes em uma linha, você escuta vozes em como a água fala, e escuta uma expressividade da terra fazendo seus gizes de cera de baleias chorando. e nós uivamos!
Pa,
eu gostaria de poder dizer
que escrevi esses pensamentos de uma só vez,
naquele dia,
aquele dia que você estava sentado e foi crescendo
em meu ombro direito
termino de escrever
e você já não está
você se foi
mas tudo bem
as durações das marés nos ensinam
que hoje ainda é anteontem
eu não vou ler para você
como o Preciado, que teve Covid
e escreveu uma bela carta de amor
que jogou no lixo [10]
lerei para o vento
ler para o vento. o vento levará as palavras.
Pa,
quando a Covid começou, muitos de nós tivemos dias
de perder a motivação, por assim dizer
uma frase vinha até nós quando fazíamos qualquer coisa
“pra quê?” “pra que agora?”
um dia acordei com um suspiro suave
“faça isso pelos mortos”, disse.
faça isso por quem se foi,
diga-lhes que um mundo outro é possível,
que embora eles não possam mais, em certo sentido,
você continuará tentando,
de forma que esse pensamento
lhes ofereça descanso e alegria
nessa jornada”
Pa,
oink.[11]
Mayra Morales
tradução de André Arias e Clara Barzaghi
revisão Marina B. Laurentiis
*
Mayra Morales. aka: mm. múltiplos emes. inacreditavelmente triste e alegre ao mesmo tempo. um esquecer constante. cruza caminhos indefinidos. rainha do imediato. precisa fervorosamente de passagens para outros jeitos de viver. em seu tempo livre, escreve virtualmente sua tese de doutorado por uma filosofia do movimento, com o morcego e o sapo como orientadores. gosta de ir aos brechós de montreal com Hani e Kk. insiste em escrever o ensaio jamais escrito sobre a relevância da camisa roxa ou dos botões floridos. sonha constantemente com uma casa com muitas, muitas escadas e passagens. admiradora de criaturas insuspeitas. quando crescer quer ser como matisse (mts). da tribo desconhecida dos greñus, ou o povo dos cabelos desgrenhados. aprecia que grande parte dos dias de anouk (aaaa) estão dedicados a cantarolar depois do banho, na cama, com uma vontade involuntária. dança na cozinha dançares que nunca é capaz de cozinhar. descobre com fascinação que precisa de ter coisas mínimas coladas ao corpo para manter a cadência para captar e colocar os sonhares de volta em sua vida um tanto disparatada. assiste naruto para se inteirar dos deveres de casa que o rígido professor de T envia e acha que as histórias salvam vidas. quer fazer quartos-livros com todas as criaturas do mundo!!! e usa pontos de exclamação mais de três vezes em todo email. ah, mexicana, baseada em montreal.
*
[1] sempre me alegrou ver como os bebês, quando começam a andar, ficam caindo, mas se você lhes dá um apoio pequeno, qualquer coisa para eles se segurarem, então eles andam. Pa, você costumava dar aos bebês uma colher de madeira e ria da magia disso. todos nós precisamos desses gestos para cortar o que de outra forma permaneceria indiferenciado e nos segurarmos neles para viver, uivar é esse apoio, argh-wooooo! uivar também é caminhar.
[2] tive um sonho outra noite em que eu era responsável por trocar as fraldas de um bebê mosquito.
[3] “Levanto-me, por exemplo, para abrir a janela, e eis que, uma vez levantado, me esqueço do que tinha a fazer… não volto a sentar — me; sinto confusamente que me falta fazer alguma coisa. A minha imobilidade não é uma imobilidade qualquer; na posição em que me encontro está como que preformado o ato a cumprir; por isso, nada mais tenho a fazer do que manter esta posição, estudá-la ou, antes, senti-la intimamente, para nela reencontrar a ideia há momentos desaparecida”. Ver Henri Bergson, Dados imediatos da consciência. Lisboa: Edições 70, 1927.
[4] Esses furos (uivos) não podem ser fechados, os furos só precisam da multiplicidade de movimentos para sentir as bordas e perceber que eles nunca foram buracos para começar!
[5] Metafísicas canibais. São Paulo: N-1 Edições & CosacNaify, 2015.
[6] “O escritor se serve de palavras, mas criando uma sintaxe que as introduz na sensação, e que faz gaguejar a língua corrente, ou tremer, ou gritar, ou mesmo cantar: é o estilo, o ‘tom’, a linguagem das sensações ou a língua estrangeira na língua, a que solicita um povo por vir”. Ver Deleuze & Guattari, O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010. (p. 228)
[7] Bergson fala muito de duração. adoro sua proposição. um tempo sempre-cambiante em concatenação. como o mar. ele fala do passado viver no futuro. pode isso? não é o que é possível que cria o futuro, mas o contrário, é o futuro, retrospectivamente, que cria o passado como possibilidade. não era possível antes de acontecer. só quando acontece no futuro então pode-se considerar como possível no passado. se considerarmos o tempo como duração somente por tornar-se real ele “terá sido” possível. Ver Bergson, O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006. outra maneira de sentir isso é o que eu disse para a lili outro dia: não há caminho antes do caminhar, caminhar faz o caminho! Ver Bergson, Ensaios sobre os dados imediatos da consciência. Lisboa: Edições 70, 1927.
[8] Ver Moten e Harney, The Undercommons: Fugitive Planning & Black Study. Wivenhouse; New York; Port Watson: Minor Compositions, 2013 e Halberstam, The Wild Beyond with and For the Undercommons In: The Undercommons: Fugitive Planning & Black Study.
[9] durações das marés também se deslocam com a proposição de tempo retrospectivo. adorei o dia em que a lili me disse: “não acredito que esta estante não estava aí antes” e eu lhe disse “mas estava”. é a memória do futuro. porque no passado não poderia não estar lá. é o que eu chamo igualmente de “tu podes senti-lo enquanto lava a louça, está aí, te chamando”. tipo, o futuro faz o passado e o passado já vive no futuro. o presente pode muito bem ser apenas um mero gênero de erro de cálculo geográfico! hehe. “é preciso introduzir uma outra forma de memória. não se trata mais de uma memória do presente (contração) nem de uma memória do passado (lembrança), trata-se de uma memória do futuro, para o futuro.” Ver Lapoujade, Potências do tempo. São Paulo: N -1 Edições, 2017. Tradução de Hortência Santos Lencastre. (p. 25).
[10] Ver Preciado, P. A conspiração dos perdedores.
[11] Sobre grunhir, ver Manning, The minor gesture (2016). Durham and London: Duke University Press, 2016 (165-177), em especial o capítulo 7 In the act: the shape of precarity que trata do Pelbart e do Guattari.
*
A palavra é vírus
Simultânea e paralelamente à pandemia do novo coronavírus, muitas palavras também ganham a insistência das repetições. A cada segunda-feira, um novo ensaio pensando com as palavras. Quer saber mais sobre a série? clica aqui
Editores: Wander Wilson e André Arias. E-mails de contato: wanderwi@gmail.com / andre.fogli@gmail.com
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